IV Encontro
Popular da Bacia do Rio São Francisco
Carta de Bom Jesus da Lapa
O RIO
PRECISA, A CAMINHADA SEGUE!
Dez
anos após o I Encontro Popular da Bacia, reunimo-nos no mesmo local, Bom Jesus
da Lapa, nos dias 28 a 31 de Maio de 2015, para avaliar a trajetória de atuação
da Articulação Popular São Francisco Vivo (SFVIVO), então criada, e planejar
seu futuro. Por meio desta carta, nós, 78 pessoas, representantes de 58
organizações populares, movimentos sociais, sindicatos, associações,
acadêmicos, pastorais e ONGs do Alto, Médio, Submédio e Baixo São Francisco,
nos dirigimos ao povo do São Francisco, às autoridades e a toda sociedade.
Pautados
na atual crise hídrica geral e do São Francisco em particular, representantes
da Cia. de Desenvolvimento do Vale do São Francisco e do Parnaíba (CODEVASF) e
do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco (CBHSF), ouviram uma extensa
lista de queixas e reivindicações dos ribeirinhos e ribeirinhas presentes, sem
que tivessem convincentes respostas a dar. Lamentamos a ausência de órgãos
convidados, mesmo justificadamente: Ministério Público Federal e Secretaria do
Patrimônio da União. Muito mais lamentamos, indignados, as ausências sem
justificativas: Ministérios da Integração Nacional e do Meio Ambiente, Cia.
Hidrelétrica do São Francisco (CHSEF) e Agência Nacional de Águas (ANA).
Nossa
troca de experiências e debates nos levaram a perceber que nossas lutas
continuam sendo basicamente as mesmas, bem mais exigentes, com conquistas
pontuais, porém, com derrotas estruturais muito maiores, vinculadas ao êxito do
grande capital, que se expande avassalando territórios, bens naturais, gentes e
organizações da sociedade civil. Neste momento, os movimentos populares
“bateram a cara no muro” restando as alternativas de recuo e mudança de rumos ou
ruptura e derrubada do “muro”...
Os
testemunhos do povo do São Francisco reafirmaram o estado de destruição do Rio
e sua Bacia, com a certeza de que por parte do sistema de exploração e
dominação não haverá reversão deste quadro. Entendemos que a vitalidade do Rio
implica “Terra, Água, Rio e Povo”, por isso, nos colocamos a ouvir, interpretar
e tirar consequências práticas das experiências das comunidades e povos nos
eixos: Lutas pela Terra e Territórios, Enfrentamentos de Projetos do Capital e
Revitalização da Bacia.
Terra e Territórios – Os processos de
retomada de territórios foram bastante evidenciados. Representantes de povos e
comunidades em luta (Indígenas, Quilombolas, Pescadores, Geraizeiros e Fundos e
Fechos de Pasto) relataram que as conquistas só se deram com resistência
incondicional. Assim tem que ser, pois grandes são as ameaças, do capital e do
Estado mancomunados... A contribuição da SFVIVO tem sido importante nos
intercâmbios, informação e formação, conhecimento de direitos, visibilidade e
afirmação da história, da cultura e da tradição, que fortalecem as lutas.
Enfrentamentos de
projetos do Capital
– O agronegócio, privado e público (perímetros irrigados), a mineração e os
projetos energéticos, com barragens, PCHs, e grandes usinas eólicas, nucleares
e, agora, chegando as solares, prometem progresso, emprego e renda, mas não é o
que acontece, são um comprovado falso desenvolvimento. Se é desenvolvimento,
para quem é e a que custo? Impactam negativamente comunidades, com danos
sociais e ambientais irreversíveis, desrespeitam as várias formas de vida,
trabalho e a cultura popular. Afetam mais as populações vulneráveis, resultando
em violência, desestruturação familiar, perda de renda, prostituição e
exploração sexual de crianças e adolescentes, como constatado nas obras da
Transposição. Compensações e mitigações de impactados precisam urgentemente ser
submetidas ao efetivo controle social. Novas e absurdas transposições do São
Francisco se anunciam (Eixos Oeste para o Piauí e Sul para a Bahia), com o
único objetivo de expansão do agrohidronegócio. Esta é também a finalidade do
MATOPIBA, estratégia público-privada para terminar a devastação do que resta dos
Cerrados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, afetando irremediavelmente
áreas de recarga do São Francisco na Bahia. O modelo desenvolvimentista não
mais se sustenta! Nossas lutas reativas são fundamentais para garantir direitos
e preservar territórios, mas para derrotar o modelo precisamos avançar para
outro patamar de articulação e unidade das forças populares.
Com
base nesta avaliação e com estas proposições, consoante a crise hídrica, decidimos
que a nossa prioridade para os próximos anos
será a defesa da ÁGUA em quantidade e qualidade em toda Bacia do São Francisco,
da nascente à foz e em todos seus afluentes. Para isto, vamos nos dedicar à
denúncia da má gestão da água e ao reforço da proposta de uma Moratória do São
Francisco, que fizemos em 2014, na pior crise do rio até agora. Vamos nos esmerar
pela Revitalização da Bacia do São Francisco, com informação e formação e constituição
de Núcleos Municipais de Cidadania dedicados à luta pelo saneamento ambiental e
à recuperação de microbacias, entendendo que o atual Programa do Governo
Federal é paliativo, publicitário, insuficiente. Para tal, reorganizamos a
SFVIVO, com mínima estrutura de funcionamento e máxima dedicação de todos e
todas que a fazem.
Conclamamos
as organizações e pessoas que se preocupam com a vida do Rio São Francisco a
juntarem-se a nós nessa empreitada, na certeza de que o horizonte ainda estará
a brilhar para quem insistir na caminhada, pois, parafraseando a poeta Cora
Coralina, “tem mais chão nos nossos olhos
do que cansaço em nossas pernas, mais esperança nos nossos passos do que
tristeza nos nossos ombros, mais estrada em nosso coração do que medo em nossas
cabeças”. Isso sentimos, na tarde de hoje, corpos, corações e mentes irmanados,
os pés molhados no leito raso do São Francisco, no toré dos Pankará e Kariri-Xocó, em troca de energias vitais com o
Rio e seus Encantados. Decretamos que, nem que seja de choro e suor, de tamanha
gratidão e luta, queremos com água encher nosso Velho Chico!
“São
Francisco Vivo – Terra, Água, Rio e Povo”.
Agência
10Envolvimento / Barreiras-BA, Assentamento 17 de abril, Associação de Fundo de
Pasto de Areia Grande / Casa Nova-BA, Associações de Fechos de Pasto de Correntina-BA,
Associação de Fundo de Pasto de Riacho de Santo Antônio / Sento-Sé-BA, Associação
de Mulheres Pescadoras / Ilha das Flores-SE, Associação Quilombola da Foz do SF
– SE, Associação Quilombola de Barra do Parateca (BA), Associação Quilombola de
Brejo dos Crioulos (MG), Associação Quilombola de Brejões dos Negros (SE), Associação
Quilombola de Resina / Brejo Grande-SE, CAACTUS Campo Formoso-BA, CAPAESF Serra
do Ramalho-BA, Cáritas Diocesana de Januária-MG, CETA/BA, Colônia de Pescadores
Z-026, Comissão Paroquial de Meio-Ambiente / Caetité-BA, Comissão Pastoral da
Terra BA / MG / Nacional, Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Salitre, Comunidade
de Pescadores de Caraíbas / Pedras de Maria da Cruz – MG, Conselho Indigenista
Missionário / AL, Conselho Pastoral dos Pescadores Baixo SF / BA / Nacional, Diocese
de Floresta, Diocese de Bom Jesus da Lapa, Ecodebate (Rio de Janeiro), Escola
Ilha da Canabrava / Bom Jesus da Lapa-BA, Folia de Reis / Porteirinha-MG, IRPAA
(Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada), Juventude Franciscana
(JUFRA), Laboratório de Saúde, Ambiente e Trabalho - Lasat / Fiocruz, MAB /
Oeste-BA, Movimento de Mulheres Camponesas / Neópolis-SE, Movimento de Mulheres
Trabalhadoras Rurais / Neópolis-SE, Movimento Gandarela-MG / Movimento pelas
Serras e Águas de Minas, MPA / SE e Vale do São Francisco-MG, MPP Januária-MG e
Pedras de Maria da Cruz-MG, MST Pirapora-MG, MTC Brasil, PA Rio Branco /
Riachão das Neves – BA, Pastoral da Juventude / Sento-Sé-BA, Pescadores do
Baixio de Irecê-BA, Povoado São João / Itaguaçú-BA, Povoado Poço Grande /
Itaguaçú-BA, Povo Pankará PE, Povo Kariri-Xocó SE, Revitalização do Rio Serra
Branca / Porteirinha-MG, Rizicultores de Sergipe, Secretaria de Educação / Bom
Jesus da Lapa-BA, Secretaria de Educação / Juazeiro-BA, STR Porteirinha-MG, STR
Cotegipe-BA.
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