sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

TAUS Beneficiara mais de 100 pescadores Artesanais no Litoral Norte de Alagoas


"Persistência", essa palavra defini bem, as comunidades de pescadores e pescadoras tradicionais do município alagoana de Porto de Pedras. As comunidades depois de passarem por vários problemas de acesso aos ranchos/palhoças de pesca, onde alguns áreas foram criminosamente destruídas  em 2014 e varias outras tiveram o acesso interrompido por cercas de arames farpados, conforme o Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais observou durante visita em setembro de 2015.
Após 02 anos de lutas, a SPU reconheceu as áreas classificadas dentro do patrimônio da união com  terrenos de marinha e acrescidos de marinha. Locais esses ocupados pelas comunidades de pescadores e pescadoras tradicionais a anos, com suas palhoças e áreas de manutenção de embarcações e de outros apetrechos de pesca.



Pelas Portarias da SPU: 241, 242,243,244,245, de 18 de dezembro de 2017, publicada na edição nº 243 do DOU no dia 20.12.2017. As áreas conforme Georreferenciamento apresentados nas referidas portarias, passam a ser de interesse publico e será destinada à instalação de equipamento de apoio a atividade extrativista das comunidades tradicionais de pescadores artesanais e beneficiara mais de 200 pescadores das comunidades de: Praia de Tatuamunha, Praia da Lages, Praia do Patacho, e centro de Porto de Pedras.  

Ontem, 21 de dezembro, o presidente da Colônia Z 25 de Porto de Pedras/AL, como representante dos pescadores, assinou conjuntamente com o Superintendente da SPU em Alagoas, os Termos de Autorização de Uso Sustentável em favor dos pescadores e pescadoras artesanais.

É bom lembras que muitos tiveram envolvidos nesse processo de luta e persistência dos pescadores e pescadoras de Porto de Pedras, como: Colônia de Pescadores Z 25, Conselho Pastoral dos Pescadores NE 02, CONAPACC, Fórum Socioambiental, Prefeitura de Porto de Pedras e outros lutadores do povo.
abaixo, fotos do momento da assinatura dos Termos de Autorização de Uso Sustentável (TAUS), entre o Presidente da Colônia de Pescadores Z 25 de Porto de Pedras e o Superintendente da SPU Alagoas.



sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

Audiência pública sobre regularização dos territórios pesqueiros do Recife debate dificuldades de pescadores artesanais no Recife


por: Verônica Fox
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Na última quarta-feira (13) aconteceu a audiência pública sobre “Regularização dos Territórios Pesqueiros na Cidade do Recife”, na Câmara dos Vereadores do Recife, entre 10h e 13h. O encontro foi resultado de determinações e articulações do Encontro dos Pescadores e Pescadoras Artesanais do Recife, realizado em setembro, na capital pernambucana.
Sob a coordenação do vereador do PSOL, Ivan Moraes, a mesa da audiência foi composta pela representante dos pescadores e pescadoras artesanais do Recife, Edileuza (Dona Leu); a representante da secretaria das mulheres, Adriana França; Supervisor de Saúde do Trabalho da Secretaria de Saúde do Recife, Eduardo Henrique e o educador social do Conselho Pastoral dos Pescadores no Nordeste, Severino dos Santos.
Moraes lamentou a ausência do secretário municipal de saúde, e do Ministério Público, que apesar de confirmarem presença não compareceram. “É lamentável que a prefeitura não tenha se feito presente hoje. Nas outras audiências que promovemos, contamos com a presença de todos, mas nessa ninguém veio”.
Frente às ausências, o vereador reiterou o seu apoio e o da Câmara de Vereadores à causa da pesca artesanal. “É muito importante que vocês saibam que não estão sós, têm mandatos aqui que se interessam pelas demandas que vocês trazem e a gente vai fazer o possível para dar andamento. Se houver encaminhamentos de legislação que seja do protagonismo dos pescadores e o nosso mandato tem todo o interesse para que essa proposta possa chegar à institucionalidade”.
DIFICULDADES – A pescadora artesanal, Dona Leu, chamou a atenção para as dificuldades enfrentadas pelos profissionais da pesca no Recife, por conta da poluição. “É muita sujeira, você precisa ver como o Rio Capibaribe está. A gente leva cada corte, a gente não tem quem faça um curativo. Cadê remédio, cadê gaze, que não tem? A gente volta para casa, bota vinagre e sal nas feridas. A gente está sofrendo muito. Precisamos que vocês procurem o prefeito para ele nos ajudar”, pediu.
Já o educador social Severino dos Santos, do CPP-NE, destacou os obstáculos enfrentados pela categoria em termos de representatividade. “Nas três conferências estaduais realizadas no Recife, apenas quatro representantes da capital conseguiram participar. A gente percebe que, cada vez mais, eles ficam aquém da política da pesca artesanal estadual e municipal. Não há participação direta dos pescadores na elaboração de políticas públicas para o setor. Além disso, o Prorural não inclui os pescadores na concessão de crédito”, comentou.
                Outro fator preocupante, segundo Laurineide Santana, do CPP-NE, é a falta de visibilidade da categoria junto ao poder público municipal e estadual. “A situação dos pescadores do Recife e de Olinda para o Estado de Pernambuco e para a Prefeitura do Recife, simplesmente não existe. Qual é a política pública que a prefeitura tem para a pesca artesanal? Qual é hoje o território pesqueiro dessas comunidades? Elas precisam ser mapeadas, reconhecidas, regularizadas e reconhecidas como comunidades tradicionais pesqueiras. Esse é o primeiro passo para sair da invisibilidade, pois 90% dos territórios pesqueiros já foram ocupados”, alertou.
                A falta de reconhecimento da cidade do Recife como um importante polo pesqueiro também se fez presente nos depoimentos dos participantes. “Recife é um território das águas e é uma pena que não esteja dando a merecida atenção”, disse Edson Fly, da ONG Caranguejo Uçá.  Já Severino dos Santos, do CPP, comentou que os programas de revitalização da cidade nunca respeitam as áreas de trabalho dos pescadores “Geralmente eles são deslocados e acabam perdendo o contato com o seu território. As intervenções que têm acontecido para transformar o Rio Capibaribe navegável não olham para as comunidades pesqueiras. Isso acaba fazendo com que muitos pescadores migrem para outras atividades”, lamentou. O encontro terminou com várias decisões e encaminhamentos que serão dados nos próximos meses:






CARTA DO ENCONTRO DOS PESCADORES E PESCADORAS DE RECIFE
Pescadoras e Pescadores na Luta em Defesa de Direitos e Territórios Pesqueiros Tradicionais”

É com a força das lutas cotidianas de mulheres e homens da pesca artesanal que nós, das Comunidades Tradicionais Pesqueiras da cidade de Recife (Brasília Teimosa, Bode, Ilha de Deus, Coelhos, Coque, Vila São Miguel, Caranguejo Tabaiares, Vila da Imbiribeira, Vila Tamandaré, Ponte do Limoeiro, Espaço Ciência) e Ilha do Maruim em Olinda, com o apoio das organizações da sociedade civil, instituições de ensino e pesquisa, apresentamos, através desta carta, o nosso Grito de Resistência por ocasião do ENCONTRO DOS PESCADORES E PESCADORAS DE RECIFE, que teve como tema “Pesca Artesanal no Recife: Desafios e Perspectivas na Consolidação dos direitos e Territórios Pesqueiros Tradicionais” ecuja realização deu-se nos dias 18 e 19 de setembro de 2017, às margens do Rio Capibaribe, no Memorial de Medicina de Pernambuco, Recife, Brasil.
Cidade do Recife que surgiu de uma Vila de Pescadores, onde a maior parte de seus bairros constituiu-se como marca de uma vida ribeirinha, historicamente influenciada pelos rios, mangues, estuários, córregos e a própria pesca artesanal. Sem dúvida, Recife necessita reencontrar-se consigo ao valorizar seu mundo das águas e aquelas e aqueles que sempre fizeram desse recurso natural, principal meio de existência material e simbólico de suas vidas. Por isso, o Encontro foi também um Grito Histórico.
Nele [no Encontro], discutimos e constatamos que as nossas Comunidades Tradicionais Pesqueiras Urbanas vivenciam cotidianamente sistemáticas pressões e violências provocadas pelo desenvolvimento de um projeto de cidade cada dia mais excludente em termos de classe, juventude, gênero e raça/etnias; que nega a existência e o pleno desenvolvimento das Comunidades Tradicionais Pesqueiras. Tudo isso se liga a um projeto de cidade ambientalmente injusto, que encontra nos rios uma comprovação desse fenômeno, a partir das formas insustentáveis de usos de suas águas (esgotamento doméstico; depósito e descarte de resíduos domésticos, hospitalares e industriais; desmatamento dos mangues; assoreamento dos rios; especulação imobiliária e urbanização negadora da reprodução do modo de vida ribeirinho/pesqueiro).
            Intensificando esse aspecto, a ausência de dados sobre a produção pesqueira e o não reconhecimento dessas populações como ocupantes históricas dessas áreas urbanas, produzem ainda mais bloqueios para a continuidade desse modo de vida tradicional em termos de produção econômica e de identidade sociocultural.
Apesar disso, como aspectos da resistência das Comunidades Tradicionais Pesqueiras, que trabalham há décadas em rios e mangues maltratados por este modelo de cidade, dados preliminares demonstram que mais de 1.400 famílias vivem diretamente da produção de pescados, retirada dessas águas. Comunidades como Ilha de Deus, juntamente com Vila da Imbiribeira e Bode, produzem mensalmente mais de 30 toneladas de polpa de sururu, além de outras espécies de peixes, moluscos e crustáceos, o que reflete a importância da pesca artesanal para a soberania e segurança alimentar e também econômica dessas comunidades – assim como para uma significativa parcela da população da cidade. Recife possui hoje, a maior frota de embarcações lagosteiras de Pernambuco, com 40 embarcações licenciadas, envolvendo diretamente mais de 200 pescadores.
Outro fato relevante e que, de certa maneira, anuncia a tradição da pesca na cidade de Recife, é a capital pernambucana ter a Colônia de Pesca mais antiga do estado, cuja criação ocorreu no início da década de 1920.
            Diante dessa realidade, que nos mostra a concretude da atividade pesqueira artesanal na cidade de Recife como fonte de reprodução da vida de mais de mil famílias, chamamos a atenção para a existência dos Territórios Pesqueiros Urbanos. Os Territórios Pesqueiros são constituídos por elementos concretos e subjetivos que permeiam a referida atividade – como a água dos rios, mangues, mares e marés; a terra que serve para moradia, vivências e trabalho; além das relações históricas, identitárias e afetivas que as comunidades mantêm com esses espaços.
A violência com as comunidades pesqueiras artesanais se dá principalmente em dois âmbitos. Um deles é o âmbito político, pela ausência de políticas públicas direcionadas às comunidades e à atividade, ou pela efetivação de políticas que resultam em consequências negativas, como privatização de áreas de uso comum e negação do acesso às áreas de navegabilidade. O outro âmbito, que se relaciona com o anterior, é o territorial, onde a violência se dá tanto pela poluição e degradação da natureza nos espaços de pesca (e na cidade de forma geral), refletindo-se em impactos sobre a reprodução e diversidade de espécies pesqueiras; como também pelo avanço do capital privado e/ou do Estado nesses territórios, através de empreendimentos e apropriações diversas, que disputam um espaço secularmente ocupado e apropriado por essas comunidades por meio do trabalho pesqueiro.
Os Territórios Pesqueiros Urbanos de Recife são, nesse sentido, invisibilizados, criminalizados e ameaçados, o que contribui dentre outras coisas, para uma crescente precarização da atividade e instabilidade econômica para as famílias que vivem da referida atividade.
Soma-se ao descaso dos poderes públicos municipais e estadual, o período de grandes retrocessos políticos, econômicos, sociais e culturais que vive o país hoje, com a negação de direitos constituídos. Direitos estes, conquistados com muitas lutas populares ao longo de todo século XX, sendo cristalizados na Constituição Federal de 1988. Tal conjuntura de perda de direitos tem, de forma indireta e direta, impactado (e continuará impactando) negativamente as Comunidades Tradicionais Pesqueiras de Recife.
Nesse sentido, as 12 comunidades presentes no Encontro, objetivam o reconhecimento da sua agenda histórica de reivindicações, seja contra o constante descaso das autoridades locais, estaduais e federal; seja em favor da implementação e conquista de direitos fundamentais dos trabalhadores e trabalhadoras da pesca artesanal (registros trabalhista e previdenciários); seja por um atendimento/assistência a saúde que contemple as particularidades dos homens e mulheres que vivem da pesca – em especial, à saúde das mulheres, susceptíveis a doenças ocupacionais por estarem muito tempo dentro da água e expostas às insalubridades do ambiente de trabalho degradado. Além disso, cabe ressaltar as situações de vulnerabilidade às quais essas mulheres estão expostas, como assaltos, estupros e violências. Ademais, esses territórios por se caracterizarem pela população negra e em situação de pobreza, vivenciam ainda, diariamente, o extermínio e encarceramento de jovens negros e negras.
Por fim, numa cidade envolvida pelas águas, as questões apresentadas que afetam as comunidades pesqueiras, também afetam toda a população recifense. Reafirmamos, portanto, nossos compromissos de luta em defesa e reconhecimento dos Territórios Pesqueiros e garantia dos direitos das comunidades tradicionais.

Recife, 19 de setembro de 2017.
1.      
1.     Alexsandro de Souza Gouveia – Ilha de Deus
2.     Ana Mirtes da Silva Ferreira – Ilha de Deus
3.     Ana Paula F. dos Reis – Ilha de Deus
4.     Aniérica Almeida – Centro Sabiá
5.     Antonio Marcio Moreira de Carvalho – Bode/Pina
6.     Augusto da Silva Guimarães – Colônia dos Pescadores  Z 01 (Brasília Teimosa)
7.     Beatriz Mesquita - Pesquisadora
8.     Carmelita Júlia da Silva – Ilha de Deus
9.     Carlos André Justino da Silva – Ilha de Deus
10. Carlos Alberto de Oliveira – Espaço Ciência
11. Centro de Desenvolvimento Agroecológico Sabiá
12. Conselho Pastoral dos Pescadores  - Regional Nordeste 02 (CPP/NE)
13. Clênio da Silva Alves – Vila Tamandaré
14. Cristina Nascimento de Lima – Vila da Imbiribeira
15. Danilo Firmino dos Santos – Pode/Pina
16. Debora Maria de Santana – Ilha do Maruim/Olinda
17. Dijane Maria dos Santos – Vila Tamandaré
18. Djailson Felix da Silva – Vila Tamandaré
19. Dr. Beatriz Mesquita – Pesquisadora
20. Dr. Cristiano W.N. Ramalho – Pesquisador PPGS/UFPE
21. Dr. Suana Medeiros Silva – Laboratório de Estudos e Pesquisas sobre Espaços Agrários e Campesinos – LEPEG/UFPE.
22. Edileuza Silva do Nascimento – Brasília Teimosa
23. Edline Silva Nascimento – Brasília Teimosa
24. Edna Francisca Maciel – Vila da Imbiribeira
25. Edson Cruz – Ação Comunitária Caranguejo-Uça/ACCU
26. Edeilton Ribamar - Coque
27. Eliane Romão de Andrade – Ilha do Maruim/Olinda
28. Elivânia Maria Paiva Rocha – Poupança Comunitária (Vila Tamandaré)
29. Eloisa Amaral L. de Medeiro – ACCU e Ciranda de Mulheres
30. Erivaldo Antonio da Costa – Vila Tamandaré
31. Fabio Pereira de Lima – Vila da Imbiribeira
32. Federação dos Órgãos Assistências, Social e Educação - FASE /Recife
33. Francisca das chagas Rodrigues – Brasilia Teimosa
34. Francineide Patricia Alves – Ilha de Deus
35. Gabriel Felix da Silva – Vila Tamandaré
36. Girlande Maria – Brasília Teimosa
37. Humberto Gonçalves – Vila Tamandaré
38. Iracema Vieira dos Santos – Ilha do Maruim
39. Isabela Maria Santos de Andrade – Bode/Pina
40. Iranildo Crispim Gomes – Espaço Ciência
41. Ivanildo Siqueira da Rocha – Ilha de Deus
42. Jardieli Maria de Souza – Ilha de Deus
43. José de Assis – Brasília Teimosa
44. José Faustino - Coque
45. Jaciara Galdino M. de Moura – Vila da Imbiribeira
46. Jailson F. da Silva – Vila Tamandaré
47. Jonas do Nascimento – Bode/Pina
48. Joana Rodrigues Mousinho -  MPP/ANP
49. Joana Santos Pereira – FASE
50. José Carlos de Sena Machado
51. José Elizeu – Caranguejo Tabaiares
52. José Fernando Damasceno – Vila Tamandaré
53. José Ignácio Vega Fernandez – Laboratorio de Estudos Rurais do Nordeste – LAE-RURAL/UFPE
54. José Lopes Souza – Ilha de Deus
55. Jose Jorge Marques da Silva – Ilha do Maruim
56. José Rufino de Paula Filho – Coque
57. Juvenita Albuquerque  - Pesquisadora
58. Juliana dos Santos Tavares - Pina
59. Laurineide Maria V. C. de Santana – CPP/NE
60. Leandro Luiz Lima - Ação Comunitária Caranguejo-uçá/CCU
61. Lourenço T. do Nascimento – Espaço Ciência
62. Luciano V. da Cruz – Vila São Miguel
63. Lucimar Helena dos Santos – Brasília Teimosa
64. Luiz Carlos Euclides da Silva – Ilha de Deus
65. Maria da Paixão – Vila da Imbiribieira
66. Maria Elania da Silva – Vila Tamandaré
67. Maria Sueli do Nascimento – Ilha do Maruim/Olinda
68. Mario Ramos da Silva – Bode/Pina
69. Moises Florêncio da Silva –
70. Moises Lucio dos Anjos – Vila São Miguel
71. Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais do Brasil – Regional Pernambuco
72. Ornela Fortes de Melo – CPP/NE
73. Paulo Pessoa Lacerda – Espaço Ciência/Santo Amaro.
74. Paulo H. da Silva Neto – Vila Tamandaré
75. Pedro Henrique Silveira Santos – Pesquisador
76. Rodrigo Lima Guerra de Moraes – Ação Comunitária Caranguejo-uçá/CCU
77. Roberta Maria Fernandes – Ilha de Deus
78. Rosimere Nery – FASE/RECIFE
79. Rudrigo Rafael - FASE
80. Sandro Florencio da Silva
81. Sandro Lorenço de Santana - Bode
82. Severino Antonio dos Santos – CPP/NE
83. Simone Ferreira Teixeira – UPE
84. Sismara Silva Campos –  Pesquisadora
85. SOS CORPO – Instituto Feminista para Democracia
86. Tarcísio Quinamo – Pesquisador
87. Terezinha Filha – ACCU/Ciranda de Mulheres
88. Valdenice Herculano da Silva – Ilha de Deus
89. Vera Lucia Pereira do C. de Holanda – Ilha do Maruim/Olinda
90. Veronica Maria da Silva Gomes Alves – Ilha do Maruim/Olinda
91. Veronica Fox – Pesquisadora
92. Yasmim Alves – PSOL/Recife
93. Hamilton Tenório – Ação Comunitária Caranguejo-Uça/ACCU
94. Valdelice Herculano – Ilha de Deus

95. Wilson Melo da Silva – Vila São Miguel

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

O SER DA PESCA ARTESANAL: BREVES QUESTÕES PARA O DEBATE


Cristiano Wellington Noberto Ramalho[1]

Fotos: Estuário do Rio Una, Comunidade do Abreu do Una. Bill Santos
1. Apresentação:

O que é o ser da pesca artesanal? Essa indagação possui uma relação direta com o fazer-se pescador(a), cujas formas e determinações da existência não podem estar dissociados da natureza e nem do trabalho da pesca (a pescaria).
 Ofertar caminhos para responder a essa pergunta é mais que necessário, especialmente no atual cenário. Nesse sentido, para além da questão legal contida na lei nº 11.959, de 29 de junho de 2009, que define a pesca artesanal como uma atividade “praticada diretamente por pescador profissional, de forma autônoma ou em regime de economia familiar, com meios de produção próprios ou mediante contrato de parceria, desembarcado, podendo utilizar embarcações de pequeno porte”), gostaria de adicionar outros aspectos pertencentes ao ser da pesca artesanal, que, no Brasil, tem mais de 1 milhão de pessoas.
Inspirado em reflexões que fiz anteriormente (RAMALHO, 2006, 2011, 2012, 2016 e 2017), focalizo alguns eixos (a meu ver, importantes), os quais serão separados apenas para fins argumentativos/teóricos, já que, no mundo objetivo da pesca, eles se complementam num metabolismo permanente. A ideia é colocar, através deste breve e simples texto, questões para o debate.

2. As Dinâmicas Ecológicas:

Em decorrência dos distintos ambientes pesqueiros e das suas particularidades ecológicas, mulheres e homens desenvolveram conhecimentos singulares que os permitiram apropriar-se dos ecossistemas, seja em termos simbólicos, seja em termos materiais, ao longo de décadas, onde o tempo social irmanou-se com o tempo natural.
Isso evidenciou que os ambientes (rios, estuários, oceano, manguezais, açudes, etc.) influenciaram nas distintas formas de ser e de fazer-se pescador(a) artesanal, porque ao se viver da pesca vivesse sendo natureza, influenciando-se pelas dinâmicas, sazonalidades e variações (físico-químicas e biológicas) do ambiente. Por isso, pescar artesanalmente não é alienar-se da natureza, apartar-se dela, pois quando isso se dá o(a) pescador(a) perde algo central em seu modo de vida, em sua condição de ser e fazer-se pescador(a): a sua integralidade às dinâmicas ecológicas.
A pesca artesanal, dessa maneira, caracterizou-se pela pluralidade de captura de pescados diferentes, através da utilização variada de técnicas e de tecnologias. Mesmo quando algum(a) trabalhador(a) “especializa-se” na pesca de determinada espécie (a exemplo da tainha, no Sul e Sudeste do Brasil, camarão, lagosta, marisco no Nordeste), devido à época e/ou à influência do mercado, esse “tipo de especialidade”, com sua racionalidade, não bloqueia a condição plural típica do trabalho pesqueiro artesanal para lidar com os recursos aquáticos diversos.  E esse é mais um componente que certifica a ligação desse sujeito com os ritmos da natureza nas suas estratégias para existir.
Com isso, as explicações sobre o funcionamento e as características dos mangues, estuários, rios, mar, das variedades de pescados, fases da lua, tipos de ventos, bem como as suas conexões numa totalidade em completude e em permanente movimento, surgiram e foram repassadas de pai para filho, por meio de saberes e fazeres produzidos nas comunidades locais enquanto patrimônio societário.
Saberes que devem ser validados rotineiramente pelos fazeres produtivos, e fazeres que se realizam ao construir novos e confirmar antigos saberes para que ambos se mesclem e ganhem legitimidade sócio-cultural, econômica e ambiental. Essa é uma forma de saber naturalístico. Um saber-fazer que explicita uma ciência do concreto. Isso forjou laços de pertencimento (entre o ser pescador e a natureza e entre o próprio grupo, inclusive na autoridade da pessoa do mestre) e possibilitou que essas populações pudessem reproduzir-se no transcurso dos anos em determinados territórios, como parte e componente de suas paisagens. 
Também as dinâmicas ecológicas são vistas e vividas, em muitas localidades, como um ente regido por forças sagradas, místicas, sobrenaturais, religiosas, onde a ação humana, por mais integrada que esteja ao ambiente, não as subordinada, aliás, o ser da pesca entende que a natureza responde e expressa às vontades de Deus.
E quando as dinâmicas ecológicas são impactadas negativamente pelas intervenções humanas (especialmente aquelas que brotam da força de expansão da economia capitalista com seus interesses de classes), os territórios da pesca ficam empobrecidos em suas biodiversidades, em seus ciclos de reprodução biológica e o ser da pesca artesanal tem sua continuidade social ameaçada diretamente em decorrência da própria condição de empobrecimento da natureza. 

3. A pescaria:

A pescaria é a materialização de um conhecimento encarnado no trabalho, que possibilita homens e mulheres capturarem diferentes tipos de pescados, a partir de habilidades inscritas nos usos dos seus corpos e de seus sentidos que deságuam, a depender do que se captura, na utilização criativa de determinados equipamentos (barcos, armadilhas, etc.). Tudo isso em consonância com os ritmos das dinâmicas ecológicas.
Se por um lado, a pescaria é a mediação técnica (habilidade, talento, arte de ser e fazer-se pescador ou pescadora) e tecnológica (equipamentos utilizados no fazer produtivo por mais simples que sejam) entre o ser humano e o pescado (a natureza), por outro, não deixa de ser, também, processos de organização sócio-produtiva com seus sistemas de parceria baseados na família, no compadrio e/ou nas relações de vizinhança – os quais regem a vida comunitária ancestralmente e  avivam, no dia a dia, as formas tradicionais de partilha dos ganhos sobre os pescados capturados (a depender da região pode dar-se o nome de banda, quinhão, linha junta ou separada, captura individual ou coletiva, dentre outras classificações).
Mesmo quando o barco e as armadilhas pertencem a terceiros (comerciantes, por exemplo), não se abre mão, necessariamente, da utilização dos antigos sistemas de partilha apoiados em processos tradicionais de organização sócio-produtiva, embora isso tenha, em muitas situações, uma coloração desigual, particularmente por funcionar em benefício de quem não trabalha diretamente na pesca.
Então, nesses casos em que a desigualdade é mais acentuada, gesta-se uma divisão social no trabalho pesqueiro baseada numa estrutura de classes, que ameaça ou põem fim ao modo de vida dos pescadores artesanais. Muitos desses grupos estão, no mínimo, no limar de abandonarem a condição de pescadores artesanais para se tornarem trabalhadores da pesca (a exemplo de alguns lagosteiros), ou seja, a pesca torna-se apenas uma profissão voltada stricto sensu a um negócio, subsumindo o modo de vida em favor do mercado.
No fazer-se pescador artesanal - as tecnologias – mesmo as modernas – foram (e são) incorporadas, de modo subordinado, à principal força produtiva da pesca artesanal: o saber-fazer patrimonial. Se isso se inverte, o ser da pesca artesanal sucumbe, passando por uma transição ao tornar-se um outro. Deixa, com isso, de ocupar o seu lugar social, o de artesão ou o de artesã das águas.
No feixe de relações sociais presentes nas pescarias artesanais, é claro que existem hierarquias, mas elas são fundadas na autoridade do conhecimento (na pessoa do mestre ou das pescadoras mais sábias na lida das marés) e no respeito aos direitos costumeiros, e não na mecânica imposição do capital.  Há princípios de igualdade, de pertencimento, de irmandade, segredos sobre pontos de pesca, formas comunais de usos das águas e valores morais compartilhados acerca do trabalho visto e sentido como arte, liberdade e beleza, enquanto uma cultura de ofício. Há laços sentimentais em relação aos seus instrumentos de trabalho e aos territórios da pesca.
Nas dinâmicas sociais das mulheres e dos homens que vivem da atividade pesqueira artesanal, a natureza (as espécies de pescados, as águas, os rios, mangues, estuários, ventos, etc.) é, além de sacralizada, humanizada permanentemente, ganhando adjetivos como esperta, braba, mansa, afoita, endiabrada, delicada, devendo ser entendida e respeitada. Em larga medida, as pescarias significam a própria formação do povo brasileiro, seu caráter plural e miscigenado, porque nelas estão presentes linguagens, técnicas, instrumentos, criatividades, compreensões, cosmologias, organizações, singularidades regionais e étnicas (tradições de trabalho africanas, portuguesas, indígenas), o que marca e confere características universais a mesma.
Assim, uma pescaria reúne várias dimensões, ora as de ordem econômica e técno-tecnológica, ora aquelas ligadas a aspectos sócio-culturais e biológicos, ora as de ordem histórica e política. Por isso, há inúmeras pescarias por existir muitas formas de ser e de fazer pescador(a) artesanal, que, independentemente de suas singularidades vivem na (e da) mesma água oriunda do oceano chamado pesca artesanal.

4. O Ser Pescador(a):

Historicamente, os pescadores e as pescadoras artesanais pertencem às camadas populares. No primeiro momento, foram as mulheres e os homens indígenas e, depois, as etnias africanas (e seus descendentes alforriados ou não) e os pobres portugueses que forjaram e ocuparam a condição de pescadores(as) artesanais nos rios, mangues, estuários e nas águas marinhas, trazendo, na maior parte dos casos, antigas tradições e costumes - na lida com as águas - que se mesclaram numa simbiose renovada de norte a sul no Brasil.
As jangadas são exemplos disso, e o mesmo ocorre com a ciranda, o côco, os cantos de trabalho, a devoção a Iemanjá, a Nossa Senhora, a São Pedro, o respeito ao Velho do Mangue, às histórias de botos, as procissões marítimas, os ex-votos.
São muitas as representações culturais, os patrimônios materiais e imateriais típicos das comunidades que pescam. E eles sobrevivem na pele e na alma das pescadoras, dos pescadores, que habitam os bairros periféricos das grandes cidades (Recife, Olinda, Salvador, Belém, Florianópolis, Fortaleza, Rio de Janeiro, Natal) e, também, em várias áreas rurais do nosso País, fato que faz com que o ser da pesca não possa ser caracterizado como sujeito tipicamente ligado a algum desses referidos espaços. Na realidade, suas marcas existenciais estão irmanadas aos territórios aquáticos (rios, mar, estuários, mangues).
Por isso, as mulheres e homens, que fazem da pesca principal seu meio de vida, são portadores de um jeito de ser, de sentir, ver e viver o mundo que é apenas deles, pleno de especificidades socioculturais. Possuem um código de trabalho típico de uma cultura de ofício artesanal, com seus costumes, normas, valores, moral, processos de socialização aprendidos em família e repassados no ato de ver, fazer, falar, sentir e ouvir.
Suas condições de vida e de trabalho trazem em si implicações das relações e processos socioeconômicos mais gerais (frágil processo de formação escolar, pouco ou inexistente acúmulo de capital, ausência de políticas públicas de inclusão social), como também das situações e interações de classes, com outros segmentos da sociedade e os podres públicos, cujos mecanismos clarificam as formas de ser e as determinações de existência no ser e fazer-se pescador(a). Sem dúvida, o ser da pesca insere-se numa trama social, onde cumpre determinado papel na escala socioeconômica, enquanto produtor primário. Aqui, as condições e dinâmicas ambientais jogam um peso importante.
As pessoas que vivem da pesca, ao (re)elaborarem seu saber-fazer sobre os pescados, concretizam suas pescarias (meios técnicos, tecnológicos) num fluxo contínuo e dialético que se integra como parte de sua própria condição e de seus atributos societários locais, que não deixam de fazer parte nos processos regionais, nacionais e/ou globais, e das possibilidades ecológicas. Por isso, os negativos impactos sobre a natureza ocasionados por obras como a do Complexo Portuário, da Refinaria Abreu e Lima e do Estaleiro Naval bloqueiam a continuidade do fazer-se pescador(a) na região de Suape em Pernambuco (apenas para ficar nesse exemplo).
Ser pescadora (ou pescador) é também oportunidade socioeconômica, hábito, costume, ideologia e relações sociais comunitárias ou com outros grupos, onde produz e reproduz sua singularidade, em oposição ou em complementaridade a outros segmentos sociais no tempo e no espaço.
As pescarias são o desnudamento das razões de ser pescador, seja quando buscam adequar-se as exigências do ambiente para melhor apropriar-se dele, seja motivada pelas renovadas necessidades decorrentes das transformações econômicas, históricas, políticas e/ou culturais originárias da inserção do ser da pesca na sociedade mais abrangente.
Ademais, ser pescador(a) é encontrar-se inserido numa determinada relação na estrutura social, de comando do capital (enquanto sujeito subordinado), cujas tensões são alimentadas pelos desejos de autonomia, resignações e subordinações e estão no dia a dia. É a partir daí que se compreende o pagamento feito em “banda” ou “quinhão”; que se diferenciam os pescadores do mar-alto e do mar interior; que se entende a expansão ou permanência de processos de estranhamento, em alguns casos, diante dos impactos ambientais, da ação empresarial e/ou dos poderes públicos; que se desmistifica o trabalho feminino, seus condicionantes ecossociais e as marcas das relações patriarcais externas e internas ao grupo; que se desvela o surgimento de atos e mobilizações políticas em defesa dos territórios pesqueiros, dos direitos previdenciários e da busca pelo respeito da sociedade para com uma forma de trabalho secular e que vem ofertando, ao longo da história, garantias de soberania alimentar a milhares de pessoas que residem em incontáveis municípios pelo País; e que se encanta resistindo no (e pelo) trabalho pesqueiro artesanal.

5. Apenas alguns comentários:

Apesar desse exercício de separação feito apenas para conferir maior didatismo ao texto, valorizei a existência profundamente concatenada entre as categorias Dinâmicas Ecológicas, Pescaria e Ser Pescador(a) no que foi nomeado do Ser da Pesca Artesanal, porque esses conceitos tentam refletir um modo particular de ver, estar, sentir e vivenciar o mundo. No geral, este escrito tem a finalidade de abrir questões para que possam ser debatidas e seus argumentos aprofundados, refinados, desenvolvidos, esquecidos ou negados.

6. Bibliografia:
RAMALHO, Cristiano Wellington Noberto. Embarcadiços do encantamento: trabalho sinônimo de arte, estética e liberdade na pesca marítima. Campinas: Ceres-Unicamp; São Cristóvão, Editora da UFS, 2017.
______ . Pescados, pescarias e pescadores: notas etnográficas sobre processos ecossociais. In: Boletim Paraense Emílio Goeldi - Ciências Humanas, Belém, v. 11, n. 2, p. 391-414, maio-ago, 2016.
______ . Sentimento de corporação, cultura do trabalho e conhecimento patrimonial pesqueiro: expressões socioculturais da pesca artesanal. In: Revista de Ciências Sociais, UFC, Fortaleza, vol. 43, n. 1, p. 8-27, 2012.
______ . O sentir dos sentidos dos pescadores artesanais. In: Revista de Antropologia, USP, São Paulo, vol. 54, n. 1, p. 315-352, jan/jun, 2011.
______ . “Ah, esse povo do mar!”: um estudo sobre trabalho e pertencimento na pesca artesanal pernambucana.  São Paulo: Editora Polis; Campinas: Ceres, 2006.



[1] Professor adjunto de sociologia e pesquisador do Departamento de Sociologia (DS), do Programa de Pós-Graduação em Sociologia (PPGS) e do Laboratório de Estudos Rurais (LAE-RURAL) da UFPE. E-mail: cristiano.ramalho@ufpe.br