domingo, 4 de outubro de 2020


 

MANIFESTO SÃO FRANCISCO VIVO

 Dia 4 de outubro, dia de São Francisco de Assis e do Rio São Francisco. O santo trouxe para o mundo a percepção da ecologia, de que a casa comum que habitamos é também de outros viventes. De que ecologia é também justiça. O Rio imita o Santo: nasce no rico Sudeste do país e corre para o empobrecido Nordeste, levando vida em suas águas. O Rio é caminho transbordante de paz e bem, a imitar o Santo. É esperança permanentemente em movimento de prosperidade: revitalizar a natureza, integrar o povo e alimentar a existência. O Rio São Francisco é a base de uma teia de relações que garante a vida de muita gente – mais de 18 milhões em sua bacia: povo barranqueiro, beiradeiro, geraizeiro, caatingueiro... É também a salvaguarda de uma infinidade de seres, dependentes de suas águas vivas e generosas. Nutrição essencial de vivos – gente, bicho, peixe, planta... Eixo de uma multisecular história de lutas que acumula experiências ordinárias e extraordinárias de resistência, protagonizadas pelo povo do rio, constituído também de indígenas, quilombolas, brancos migrantes. Comunidades que defendem as condições fundamentais – e sagradas – de sua permanência no mundo: o seu Velho Chico. Rio Vivo é Povo Vivo. Rio Morto é Povo Morto. 

Os projetos de captura da natureza ao longo da Bacia, voltados exclusivamente para o lucro incessante, estão corroendo, quando não, destruindo a relação Rio – Povo. Ao longo dos anos, essas investidas vêm acumulando chagas incuráveis e abrindo novas feridas, num processo contínuo de degradação ecológica deste corpo vivo que é a Bacia. O crime da Vale em Brumadinho, que matou o afluente Paraopeba, a Transposição, os agronegócios, à frente o da irrigação, o setor energético, o industrial-minerário etc., querem a todo custo ter total controle das águas e das vidas do nosso sagrado Velho Chico. 

Nestes tempos dominados pela necropolítica, surgem novas ameaças que demandam urgente atenção e ação dos povos e defensores do Rio. Se deixarmos que aconteçam, não só comprometerão o nosso sonho de um Rio vivo para o bem de todos, como extinguirão as comunidades diretamente atingidas. Denunciamos três dessas novas ameaças: 

1) A Barragem de Formoso, projeto da empresa Quebec/Tracbel Suez, apoiado pelos governos estadual e federal, a se implantar a 12 km a montante de Pirapora-MG, inundaria 32 mil hectares, em seis municípios, afetando centenas de famílias ribeirinhas, pescadoras, vazanteiras. Qual seu real objetivo, se na região já têm a Usina de Três Marias e produção de grande quantidade de energia solar em imensas áreas? Por que esta aceleração das licenças ambientais do empreendimento danoso? 

2) A Usina Nuclear a ser implantada em Itacuruba- PE, às margens da Barragem de Itaparica, é um monstro que volta a assombrar o povo da região, que já muito sofreu com o deslocamento compulsório imposto pela barragem. Além da contaminação radiativa e aquecimento das águas do Rio usadas para resfriar os caldeiras, o risco dos desastres nucleares, de consequências incalculáveis. 

3) A Instrução Normativa no 67, de 3 de agosto de 2020, da Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União e da Secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados / Ministério da Economia, mais que regularizar, visa entregar os terrenos marginais de rios e lagos federais a empreendimentos privados.  É o caso do São Francisco, cujas margens e ilhas são habitadas e cultivadas e protegidas por milhares de famílias. Seria um desastre! 

O Velho Chico e seu Povo resistem, mas não aguentam mais! Já estão para além do limite do suportável as agressões – o que é experiência das comunidades ribeirinhas e consenso entre pesquisadores e ambientalistas. Agressões que precisam ser combatidas ainda mais fortemente pelo povo, organizações e entidades civis e poderes públicos sérios e fiéis às suas razões de ser. O Rio clama e nós somos a sua voz, que grita aos quatro cantos contra os que querem matá-lo e aos que temos que salvá-lo. Também para nos salvar!

 São Francisco Vivo - Terra e Água, Rio e Povo! 

Articulação Popular São Francisco Vivo.

 Bacia do Rio São Francisco, 04 de outubro de 2020.

quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Nota Pública do CPP | Nota de repúdio à suspensão das resoluções 302, 303, 264 e 284 do CONAMA

 


O Conselho Pastoral dos Pescadores vem por meio desta nota pública à sociedade brasileira, em especial às comunidades tradicionais pesqueiras, manifestar repúdio e preocupação com a medidas tomadas no dia 28 de setembro de 2020, em que por meio da Resolução nº 500, o Ministro do Meio Ambiente do governo Bolsonaro, Ricardo Salles, revogou várias normas do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, para atender aos interesses do agronegócio, da carcinicultura e das imobiliárias em detrimento da proteção ambiental do país. 

Entre as medidas revogadas foram extintas as Resoluções que tratam da preservação de áreas de restinga e manguezais, de áreas de preservação permanente no entorno de reservatórios d´água e do licenciamento ambiental para projetos de irrigação. Essas medidas fragilizam a atuação estatal para a proteção ambiental e dos territórios de povos indígenas e pesqueiros. O processo de desmonte e enfraquecimento dos conselhos de controle de políticas públicas tem servido para que o governo aprove com facilidades suas politicas genocidas. O ataque orquestrado ao CONAMA que teve sua composição desmontada com vistas a reduzir a participação e incidência da sociedade civil e assim o governo conta com lastro para avançar com sua pauta de retrocessos. 

Foram extintas as Resoluções 302 e 303 ambas do ano de 2002 e a Resolução 284 de 2001, além da Resolução 264 de 1999, que foi substituída por outra norma. Destacamos que a revogação das Resoluções 302 e 303, elimina os instrumentos de proteção dos mangues e restingas e áreas no entorno reservatórios d´água. Embora a proteção dessas áreas esteja prevista em outras leis como defende o Governo, a previsão dessa proteção especial nas resoluções do CONAMA tem por intuito dar maior efetividade a essa proteção legal. As Resoluções 302 e 303 tratam de espaços territoriais espacialmente protegidos, não podendo ser revogadas por atos administrativos, conforme estabelece o artigo 225, parágrafo 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988. A Resolução 284/2001 – trata dos processos de licenciamento ambiental para projetos de irrigação. A Resolução 284 de outubro de 2001 que também foi integralmente revogada por Salles, estipulava uma padronização do licenciamento para empreendimentos de irrigação, determinando como a água deveria ser utilizada nas atividades agrícolas e agropecuárias, estabelecendo quais equipamentos e métodos de irrigação seriam mais eficientes. A extinção dessa medida atende demandas de parte do setor do agronegócio para reduzir as exigências legais do licenciamento ambiental desse tipo de projeto.

 A desproteção de manguezais e restingas irá acentuar os conflitos com comunidades tradicionais pesqueiras no litoral do Brasil que já vem enfrentando problemas principalmente com a carcinicultura que avança sobre manguezais causando um rastro de destruição, ameaças e alguns casos até morte. 

Todas as medidas tomadas sem a participação da sociedade civil, de cientistas e técnicos demostram o caráter do governo e o atual papel que o Ministro do Meio Ambiente cumpre no sentido de desmontar a legislação ambiental e acelerar o desmatamento, poluição e desproteção dos biomas costeiros e marinhos. 

Essas ações orquestradas pelos setores da indústria e do agronegócio com apoio do governo vai ter profundos impactos de natureza ambiental, social e econômica para as comunidades tradicionais pesqueiras que já enfrentam um quadro acelerado de conflitos socioambientais. 

Por fim, seguimos sendo voz profética no serviço pastoral as comunidades tradicionais pesqueiras, na justa defesa de seus territórios de bem viver. Estamos ao lado de pescadores e pescadoras artesanais que mais uma vez estão vendo e sentido que seus territórios estão sendo espoliados para satisfazer o mercado. 

A defesa dos territórios tradicionais pesqueiros é uma luta de todo povo brasileiro, pelo papel que as mulheres e os homens das águas tem feito para garantir o equilíbrio e a sustentabilidade ambiental dessa casa comum em que a vida pulsa e segue sendo alimento para o povo brasileiro.

 Brasília, 30 de setembro de 2020 

Conselho Pastoral dos Pescadores