quinta-feira, 19 de novembro de 2020

IDENTIDADE, CULTURA E LUTA DOS HOMENS E MULHERES DAS ÁGUAS - 22 DE NOVEMBRO - DIA NACIONAL DE LUTA DA PESCA ARTESANAL – DIA ESTADUAL DE LUTA DOS PESCADORES E PESCADORAS ARTESANAIS DE PERNAMBUCO.

Os mares, rios e estuários sempre foram companheiros dos pescadores e das pescadoras artesanais nas suas lutas por liberdade, por autonomia, por dignidade. 

Durante o período escravocrata, que perdurou no Brasil até 1888 e deixou suas sequelas ainda em nossos dias,   os laços de reciprocidade e o grau de articulação existentes entre os homens e as mulheres das águas de várias comunidades, municípios, estados foram capazes de possibilitar e ajudar, consideravelmente,  na fuga dos seus irmãos e irmãs de cor em busca de dias melhores.

Assim, quando uma pessoa negra fugida - da  terrível condição escrava - chegava ou era trazida ao barco de um pescador para trilhar seu projeto de autonomia, isso era o mesmo que atingir-se o terreno da solidariedade e das águas esperançosas de uma possível emancipação, da resistência e da negação do não reconhecimento de serem vistos como seres humanos, indivíduos de direitos.

Muitas lutas (conhecidas ou não) existiram para libertar o povo negro e, consequentemente, as comunidades pesqueiras  da condição escrava. E é aí que se destaca a história  do jangadeiro Francisco José do Nascimento (nascido em 1839 e falecido em 1914), conhecido como Dragão do Mar, que lutou pelo fim da escravidão no Ceará, negando-se a levar escravos e escravas, que seriam vendidos na capital do país (Rio de Janeiro), para os navios negreiros. Sua luta foi importante para fazer com que o Ceará fosse o primeiro estado brasileiro a decretar o fim da escravidão em 1884.   

E essa luta – não só do Dragão do Mar, mas de outros homens e de mulheres negras – pela autonomia e dignidade fizeram dos territórios, da natureza, das águas parceiras de vida, lugares de sonhos, de realizações e de experiências de resistências cotidianas efetivadas pelas comunidades pesqueiras. 

Foi esse povo negro, o povo pesqueiro que se transformou, ao longo dos séculos, em guardião da preservação dos mangues, rios, mares, estuários, cuja simbiose fez florescer um conjunto inestimável de práticas econômicas, sociais e culturais que é, hoje, um patrimônio material e imaterial. Então, dessa interação pescador e pescadora com a natureza emergiu danças, cantos, culinária, segurança e soberania alimentar, trabalho, renda, desejos de mundo, seres encantados e pessoas encantadas, artes de pesca, modos de vida, linguagens, sociabilidades.

Dos territórios pesqueiros, portanto, brotaram vidas, biodiversidades, coexistências, que, na atualidade, permitem que mais de 1 milhão de pessoas vivam diretamente da pesca artesanal, produzindo mais de 60% dos pescados que chegam à mesa das famílias brasileiras.

E é esse patrimônio socioambiental que as comunidades pesqueiras, suas entidades representativas (associações e colônias de pesca), movimentos sociais e grupos de apoio querem proteger, defender, exigir reconhecimento, por meio de políticas públicas, para que continuem a existir e a ofertar, para a sociedade brasileira, serviços ecológicos inestimáveis, bem como possibilidades de justiça social e de combate às desigualdades e ao racismo (dentre os quais o ambiental).

________________

Inscrito por: Prof. Dr. Cristiano W. N. Ramalho. Dep. de Sociologia - Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFPE. Membro do Núcleo de Estudos Humanidades, Mares e Rios/NUHUMAR. E Colaborador do Conselho Pastoral dos Pescadores - Regional Nordeste 02.

Fotos: Gicleia Silva - Presidente da Colônia Z 08 do Cabo - Retratando o Desembarque Pesqueiro na Prainha dos Pescadores, na praia do Xaréu no município Pernambucano do Cabo de Sto Agostinho.

domingo, 4 de outubro de 2020


 

MANIFESTO SÃO FRANCISCO VIVO

 Dia 4 de outubro, dia de São Francisco de Assis e do Rio São Francisco. O santo trouxe para o mundo a percepção da ecologia, de que a casa comum que habitamos é também de outros viventes. De que ecologia é também justiça. O Rio imita o Santo: nasce no rico Sudeste do país e corre para o empobrecido Nordeste, levando vida em suas águas. O Rio é caminho transbordante de paz e bem, a imitar o Santo. É esperança permanentemente em movimento de prosperidade: revitalizar a natureza, integrar o povo e alimentar a existência. O Rio São Francisco é a base de uma teia de relações que garante a vida de muita gente – mais de 18 milhões em sua bacia: povo barranqueiro, beiradeiro, geraizeiro, caatingueiro... É também a salvaguarda de uma infinidade de seres, dependentes de suas águas vivas e generosas. Nutrição essencial de vivos – gente, bicho, peixe, planta... Eixo de uma multisecular história de lutas que acumula experiências ordinárias e extraordinárias de resistência, protagonizadas pelo povo do rio, constituído também de indígenas, quilombolas, brancos migrantes. Comunidades que defendem as condições fundamentais – e sagradas – de sua permanência no mundo: o seu Velho Chico. Rio Vivo é Povo Vivo. Rio Morto é Povo Morto. 

Os projetos de captura da natureza ao longo da Bacia, voltados exclusivamente para o lucro incessante, estão corroendo, quando não, destruindo a relação Rio – Povo. Ao longo dos anos, essas investidas vêm acumulando chagas incuráveis e abrindo novas feridas, num processo contínuo de degradação ecológica deste corpo vivo que é a Bacia. O crime da Vale em Brumadinho, que matou o afluente Paraopeba, a Transposição, os agronegócios, à frente o da irrigação, o setor energético, o industrial-minerário etc., querem a todo custo ter total controle das águas e das vidas do nosso sagrado Velho Chico. 

Nestes tempos dominados pela necropolítica, surgem novas ameaças que demandam urgente atenção e ação dos povos e defensores do Rio. Se deixarmos que aconteçam, não só comprometerão o nosso sonho de um Rio vivo para o bem de todos, como extinguirão as comunidades diretamente atingidas. Denunciamos três dessas novas ameaças: 

1) A Barragem de Formoso, projeto da empresa Quebec/Tracbel Suez, apoiado pelos governos estadual e federal, a se implantar a 12 km a montante de Pirapora-MG, inundaria 32 mil hectares, em seis municípios, afetando centenas de famílias ribeirinhas, pescadoras, vazanteiras. Qual seu real objetivo, se na região já têm a Usina de Três Marias e produção de grande quantidade de energia solar em imensas áreas? Por que esta aceleração das licenças ambientais do empreendimento danoso? 

2) A Usina Nuclear a ser implantada em Itacuruba- PE, às margens da Barragem de Itaparica, é um monstro que volta a assombrar o povo da região, que já muito sofreu com o deslocamento compulsório imposto pela barragem. Além da contaminação radiativa e aquecimento das águas do Rio usadas para resfriar os caldeiras, o risco dos desastres nucleares, de consequências incalculáveis. 

3) A Instrução Normativa no 67, de 3 de agosto de 2020, da Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União e da Secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados / Ministério da Economia, mais que regularizar, visa entregar os terrenos marginais de rios e lagos federais a empreendimentos privados.  É o caso do São Francisco, cujas margens e ilhas são habitadas e cultivadas e protegidas por milhares de famílias. Seria um desastre! 

O Velho Chico e seu Povo resistem, mas não aguentam mais! Já estão para além do limite do suportável as agressões – o que é experiência das comunidades ribeirinhas e consenso entre pesquisadores e ambientalistas. Agressões que precisam ser combatidas ainda mais fortemente pelo povo, organizações e entidades civis e poderes públicos sérios e fiéis às suas razões de ser. O Rio clama e nós somos a sua voz, que grita aos quatro cantos contra os que querem matá-lo e aos que temos que salvá-lo. Também para nos salvar!

 São Francisco Vivo - Terra e Água, Rio e Povo! 

Articulação Popular São Francisco Vivo.

 Bacia do Rio São Francisco, 04 de outubro de 2020.

quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Nota Pública do CPP | Nota de repúdio à suspensão das resoluções 302, 303, 264 e 284 do CONAMA

 


O Conselho Pastoral dos Pescadores vem por meio desta nota pública à sociedade brasileira, em especial às comunidades tradicionais pesqueiras, manifestar repúdio e preocupação com a medidas tomadas no dia 28 de setembro de 2020, em que por meio da Resolução nº 500, o Ministro do Meio Ambiente do governo Bolsonaro, Ricardo Salles, revogou várias normas do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, para atender aos interesses do agronegócio, da carcinicultura e das imobiliárias em detrimento da proteção ambiental do país. 

Entre as medidas revogadas foram extintas as Resoluções que tratam da preservação de áreas de restinga e manguezais, de áreas de preservação permanente no entorno de reservatórios d´água e do licenciamento ambiental para projetos de irrigação. Essas medidas fragilizam a atuação estatal para a proteção ambiental e dos territórios de povos indígenas e pesqueiros. O processo de desmonte e enfraquecimento dos conselhos de controle de políticas públicas tem servido para que o governo aprove com facilidades suas politicas genocidas. O ataque orquestrado ao CONAMA que teve sua composição desmontada com vistas a reduzir a participação e incidência da sociedade civil e assim o governo conta com lastro para avançar com sua pauta de retrocessos. 

Foram extintas as Resoluções 302 e 303 ambas do ano de 2002 e a Resolução 284 de 2001, além da Resolução 264 de 1999, que foi substituída por outra norma. Destacamos que a revogação das Resoluções 302 e 303, elimina os instrumentos de proteção dos mangues e restingas e áreas no entorno reservatórios d´água. Embora a proteção dessas áreas esteja prevista em outras leis como defende o Governo, a previsão dessa proteção especial nas resoluções do CONAMA tem por intuito dar maior efetividade a essa proteção legal. As Resoluções 302 e 303 tratam de espaços territoriais espacialmente protegidos, não podendo ser revogadas por atos administrativos, conforme estabelece o artigo 225, parágrafo 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988. A Resolução 284/2001 – trata dos processos de licenciamento ambiental para projetos de irrigação. A Resolução 284 de outubro de 2001 que também foi integralmente revogada por Salles, estipulava uma padronização do licenciamento para empreendimentos de irrigação, determinando como a água deveria ser utilizada nas atividades agrícolas e agropecuárias, estabelecendo quais equipamentos e métodos de irrigação seriam mais eficientes. A extinção dessa medida atende demandas de parte do setor do agronegócio para reduzir as exigências legais do licenciamento ambiental desse tipo de projeto.

 A desproteção de manguezais e restingas irá acentuar os conflitos com comunidades tradicionais pesqueiras no litoral do Brasil que já vem enfrentando problemas principalmente com a carcinicultura que avança sobre manguezais causando um rastro de destruição, ameaças e alguns casos até morte. 

Todas as medidas tomadas sem a participação da sociedade civil, de cientistas e técnicos demostram o caráter do governo e o atual papel que o Ministro do Meio Ambiente cumpre no sentido de desmontar a legislação ambiental e acelerar o desmatamento, poluição e desproteção dos biomas costeiros e marinhos. 

Essas ações orquestradas pelos setores da indústria e do agronegócio com apoio do governo vai ter profundos impactos de natureza ambiental, social e econômica para as comunidades tradicionais pesqueiras que já enfrentam um quadro acelerado de conflitos socioambientais. 

Por fim, seguimos sendo voz profética no serviço pastoral as comunidades tradicionais pesqueiras, na justa defesa de seus territórios de bem viver. Estamos ao lado de pescadores e pescadoras artesanais que mais uma vez estão vendo e sentido que seus territórios estão sendo espoliados para satisfazer o mercado. 

A defesa dos territórios tradicionais pesqueiros é uma luta de todo povo brasileiro, pelo papel que as mulheres e os homens das águas tem feito para garantir o equilíbrio e a sustentabilidade ambiental dessa casa comum em que a vida pulsa e segue sendo alimento para o povo brasileiro.

 Brasília, 30 de setembro de 2020 

Conselho Pastoral dos Pescadores

quarta-feira, 30 de setembro de 2020

NOTA DE REPÚDIO A POLÍTICA DE MORTE DE BOLSONARO E RICARDO SALLES CONTRA AS PESCADORAS E PESCADORES ARTESANAIS DO BRASIL


Contra a intolerância dos ricos, a intransigência dos pobres. Não se deixar cooptar. Não se deixar esmagar. Lutar sempre”

 Florestan Fernandes 


O Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais - MPP, vem a público manifestar o mais profundo repúdio ao retrocesso criminoso promovido pela articulação entre o governo Bolsonaro e seu ministro de Meio Ambiente, com o agronegócio e o setor imobiliário para desmontar a política estatal de proteção ambiental e atender os interesses do capital. 

A reunião do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, do dia 28 de setembro de 2020, que aconteceu com o controle do governo e do setor privado promoveu em duas horas e meia o desmonte do sistema de proteção ambiental do país. Nessa reunião foram revogadas as  resoluções 264/1999, que vetava a utilização de fornos rotativos de produção de cimento para queima de resíduos domiciliares brutos, resíduos de serviços de saúde e agrotóxicos; Resolução 284, de 30 de agosto de 2001, que dispõe sobre licenciamento de empreendimentos de irrigação; Resolução 302, de 20 de fevereiro de 2002, que dispõe sobre os parâmetros, definições e limites de Áreas de Preservação Permanente de reservatórios artificiais e o regime de uso do entorno; e a Resolução 303, de 20 de março de 2002, que dispões sobre parâmetros, definições e limites de Áreas de Preservação Permanente.

A revogação dessas resoluções significa que o setor imobiliário com a liberação de áreas de preservação de restinga, poderão  construir hotéis na faixa de praia. A carnicultura também ficará  livre para poluir os rios e manguezais. Os licenciamentos de empreendimentos de irrigação assumem o  objetivo atender os interesses das industrias e não do povo.  Todas essas medidas aprofundam o quadro de violações de direitos humanos e ambientais nos territórios tradicionais pesqueiros, onde enfrentamos cotidianamente as violências do latifúndio, do agronegócio, das empresas de energia, da carcinicultura, da especulação imobiliária, do minérionegócio, da privatização dos espelhos d´água  e outros grandes projetos. 

O governo Bolsonaro e seu ministro Ricardo Salles são inimigos declarados dos povos indígenas, quilombolas e pescadores/as artesanais. O desmonte do sistema de proteção ambiental do país e das políticas de estado vão atingir diretamente essas populações. Estamos vivendo um período de aumento do desmatamento, queimadas, garimpo ilegais, grilagem de terra, óleo tóxico no mar, financeirização e partilha do mar para atender os interesses econômicos das elites, além da redução de 25% no orçamento para as políticas de proteção ambiental. O caráter desse governo é antipopular, pois desmontou o CONAMA e outros espaços de participação da sociedade civil, fazendo dessa forma passar todas as suas medidas majoritariamente, sem qualquer participação da sociedade  ou de espaços de debate público.

A luta de classes tem se intensificado em nossos territórios com medidas e tecnologias para financeirizar o bioma marinho e costeiro. O capital pretende seguir avançando com seu projeto de morte que tem como objetivo extinguir a vida e os povos que defender o direito de viver em harmonia com seus território. Nossa organização e luta tem como um de seus objetivos garantir a proteção dos ecossistemas costeiros e marinhos, pois nossos modos de vida estão ligados diretamente com a proteção desses espaços de vida e trabalho. 

Das praias, rios, lagoas, mares e manguezais seguimos com nossas bandeiras nas mãos na defesa de nossos territórios tradicionais pesqueiros e denunciando as medidas de um governo genocida que representa a morte dos modos de vida das comunidades pesqueiras. Aprendemos na luta que a organização é o caminho de nossa libertação integral, temos total compressão política que o governo Bolsonaro é inimigo do povo e de sua soberania nacional. 

De remo e redes nas mãos seguimos de pé denunciando, articulando e organizando desde os nossos territórios a defesa da vida contra a política bolsonarista. Carregamos em nós as marcas da rebeldia indígena, quilombola, negra e popular contra a tirania da burguesia.

Afirmamos nossos compromissos de luta e convocamos toda à sociedade em defesa dos territórios tradicionais pesqueiros, enquanto bem como do povo brasileiro. O MPP segue entre águas e terra construindo trincheiras de luta por uma nova cultura e na defesa da biodiversidade e do povo trabalhador. 


NO RIO E NO MAR PESCADORES E PESCADORAS ARTESANAIS NA LUTA  REMANDO POR UM PROJETO POPULAR PARA O BRASIL


Direção Nacional do Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais 

 

29 de setembro de 2020

terça-feira, 1 de setembro de 2020

CAMPANHA MAR DE LUTA - MANIFESTO

 MANIFESTO MAR DE LUTA: JUSTIÇA SOCIAL PARA  OS POVOS DAS ÁGUAS ATINGIDOS PELO PETRÓLEO
 

Neste domingo (30 de agosto de 2020) a maior tragédia socioambiental do Brasil completa 1 ano: o vazamento de petróleo no litoral brasileiro. Ela atingiu os 9 estados do Nordeste e mais 2 do Sudeste do País (Espírito Santo e Rio de Janeiro) e alcançou cerca de 1.000 localidades, afetando o modo de vida de, aproximadamente, 500.000 pescadores e pescadoras artesanais responsáveis pela produção de mais de 60% da produção do pescado que chega à mesa de um milhão de famílias da Região. Foram 5 mil toneladas de petróleo retiradas das praias, corais, rios e mangues apenas entre os meses de outubro e dezembro de 2019, estando outra parte inestimável submersa ou presente na forma de micropartículas no ambiente litorâneo. 

Diante desse fato, é que nós, dos Movimentos Sociais de Pescadores e Pescadoras Artesanais e Organizações ligadas às temáticas de Direitos Humanos e Socioambientais, cobramos dos poderes públicos (federal, estaduais e municipais) respostas, por meio de ações capazes de reduzir e enfrentar os efeitos nefastos desse crime ambiental sobre o ambiente e as comunidades pesqueiras artesanais, que tiveram seus dramas socioeconômicos oriundos do petróleo agravados ainda mais pela pandemia do novo Coronavírus. 

Ao afetar toda biodiversidade dos territórios pesqueiros, esse crime impactou negativamente na reprodução do modo de vida dos Povos das Águas, pois é desses lugares que são retirados os meios necessários para o viver material e simbólico das pescadoras e pescadores artesanais historicamente. Além disso, esse vazamento prejudicou as condições de saúde das comunidades, considerando o alto potencial nocivo do petróleo para o ser humano, especialmente pelo fato dos pescadores e pescadoras estarem expostos ao contato direto com águas e por terem e estarem consumindo pescados que possam trazer contaminantes.

 Diante desse doloroso cenário, cabe denunciar a inércia dos órgãos públicos no atendimento das necessidades das inúmeras famílias, no que tange ao apoio para que os Povos das Águas possam enfrentar essa situação em condições digna. É importante frisar que o recurso disponibilizado através da MP 908, que previu o pagamento do auxílio emergencial pecuniário no valor de 2 salários mínimos foi insuficiente para mitigar os impactos econômicos impostos aos pescadores e pescadoras. Muitas pessoas foram excluídas de acessar o auxílio, principalmente as mulheres pescadoras. ,

Espantoso, também, foi e é a falta de um planejamento coordenado por parte do Poder Executivo Federal para combater os vazamentos de petróleo, que não iniciaram hoje, mas que ganharam uma dimensão mais impactante a partir de agosto de 2019. Isso se soma à falta de iniciativa do Governo Federal para acionar e aplicar o Plano Nacional de Contigência para Incidentes com Óleo. 

Isso comprova que a política de estado do (des)governo Bolsonaro para o meio ambiente é de destruição da natureza e de toda a vida que a circunda e a compõe, inclusive a humana, fato materializado pela presença de um ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que atua a todo momento para flexibilizar a legislação ambiental, omitindo diante de inúmeros crimes ambientais de toda ordem e, também, contra aqueles que dão suas vidas historicamente para a proteção de seus territórios. 

Com isso, estamos vindo, por meio deste manifesto, exigir respostas concretas para as famílias dos Pescadores e Pescadoras, que estão há 1 ano enfrentando sozinhas o maior crime ambiental da história do Brasil. Dessa maneira, reivindicamos:

1. A responsabilização do estado pela ausência de respostas concretas para esse grave dano ambiental e as respectivas famílias por ele afetadas; 

2. Reivindicar a aplicação do Plano Nacional de Contingência (PNC) para incidentes de poluição por óleo; 

3. Realização de investigações e estudos para apuração dos responsáveis pelo derramamento do petróleo; 

4. Realização de pesquisas autônomas que deem transparência na divulgação dos dados sobre a poluição, contaminação do meio ambiente (espécies, oceanos e praias), impactos socioeconômicos agravados com a pandemia de COVID-19, impactos na saúde e na revelação dos verdadeiros culpados pelo vazamento do petróleo;

 5. Um processo amplo e rigoroso de avaliação e monitoramento das praias, mangues e oceanos. Com especial atenção para o monitoramento da exploração de petróleo na costa brasileira;

 6. Impedir a abertura de novos poços de Petróleo em alto mar e criar um pensamento crítico em relação à esse tipo de atividade e os impactos que gera na vida dos pescadores e pescadoras artesanais;

 7. Reivindicar mudanças na atual política ambiental em curso no Brasil, capitaneada pelo Ministro defensor de madeireiros e garimpeiros, Ricardo Salles.

 Comitê da Campanha Mar de Luta

 Brasília, 30 de agosto de 2020 

Fazem parte da Campanha Mar de Luta: 

-Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP) 

-Movimento dos Pescadores e Pescadoras artesanais (MPP) 

-Articulação Nacional das Pescadoras (ANP) 

-Comissão Nacional para o Fortalecimento das Reservas Extrativistas e dos Povos Extrativistas Costeiros Marinhos (Confrem),

 -Rede Manguemar 

-Fundo Casa Socioambiental 

-Núcleo de Estudos Humanidades, Mares e Rios da Universidade Federal de Pernambuco – NUHUMAR/UFPE 

-Coletivo de Comunicação Intervozes

 -Mídia Ninja 

Apoio: Greenpeace

sábado, 29 de agosto de 2020

Nota Pública do CPP | Sobre o Programa Renda Brasil e os Impactos aos Pescadores e Pescadoras Artesanais

Em Nota, o Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP) critica a maneira como o governo federal tem proposto o Programa Renda Brasil, em troca da extinção de outros programas sociais como o Seguro-defeso.  A pastoral aponta que a medida pode criminalizar os pescadores artesanais e que o "Seguro Defeso não é uma política de transferência de renda e sim uma política ambiental que tem como fim assegurar a reprodução das espécies e preservar a biodiversidade". Confira a nota na íntegra, logo abaixo! 



Nota Pública do CPP | Sobre o Programa Renda Brasil e os Impactos aos Pescadores e Pescadoras Artesanais

O Conselho Pastoral dos Pescadores – CPP vem por meio desta nota pública direcionada a toda sociedade brasileira, declarar preocupação e indignação profunda, com as declarações da equipe econômica do governo Bolsonaro de extinguir políticas sociais, entre elas, o seguro defeso. A crise econômica, política, sanitária e ambiental tem se aprofundado dia após dia e a solução apresentada pelo governo ultraliberal de Bolsonaro é retirar direitos dos trabalhadores/as para pagar a conta. Mas o governo não sinaliza em seu projeto de governo nenhuma medida para taxar as grandes fortunas.

Compreendemos que o plano de por fim ao seguro defeso, é parte da política desastrosa do governo de criminalizar os pescadores/as artesanais e que não considera o defeso uma ação fundamental para garantir a reprodução das espécies e a sustentabilidade dos estoques pesqueiros. O Seguro Defeso não é uma política de transferência de renda e sim uma política ambiental que tem como fim assegurar a reprodução das espécies e preservar a biodiversidade. É parte de uma estratégia socioambiental que visa a conservação ambiental dos recursos pesqueiros enquanto politica efetiva de gestão socioambiental além de garantir a biodiversidade, a soberania e segurança alimentar e nutricional do povo brasileiro.

Uma das características do atual governo é o desmonte continuado da agenda ambiental, do desmonte dos órgãos de fiscalização e da permanente flexibilização da legislação ambiental. As comunidades tradicionais pesqueiras têm sido algumas das principais vítimas dessa política de morte, seja no papel negacionista do governo no período de derramamento de petróleo no litoral brasileiro que não tomou nenhuma ação imediata para conter o derramamento, seja na pandemia do Covid-19, onde diversas comunidades de pescadores/as artesanais ficaram e continuam sem acesso a atenção básica em saúde e sem o direito de acessar o auxilio emergencial.

Nós, do Conselho Pastoral dos Pescadores, estamos do lado das organizações populares dos pescadores nas suas justas pautas por direitos e repudiamos qualquer ação ultraliberal desse governo de retirar os direitos dos pescadores e pescadoras artesanais e do desmonte da politica ambiental.

 

Brasília, 28 de agosto de 2020    

LANÇAMENTO DA CAMPANHA MAR DE LUTA


 


🌊✊🏾 #MardeLuta | O dia do Lançamento da Campanha Mar de Luta está chegando!!! Nesse domingo (30/08), as organizações que fazem parte da Campanha Mar de Luta irão dar o ponta pé inicial nas ações que marcam o aniversário de um ano do aparecimento das primeiras manchas de petróleo no litoral da Paraíba. Passado esse tempo, os pescadores e pescadoras artesanais, um dos principais públicos atingidos, continuam sem respostas sobre as verdadeiras dimensões desses impactos. Lideranças dos movimentos pesqueiros, pesquisadores, representantes de organizações de direitos humanos e ligadas às pautas socioambientais participarão do debate de lançamento no domingo (30/08), às 15 horas, nos canais do Intervozes e do Mídia Ninja! Artistas populares tambem farão intervenções artísticas! Acompanhe por lá!! Para saber mais informações, acesse os canais da campanha.

📍 Instagram: @mardeluta  

📍 Facebook: @campanhamardeluta




sexta-feira, 28 de agosto de 2020

Campanha Mar de Luta: Justiça Social aos povos das Águas atingidos pelo Petróleo

 Movimentos de pescadores artesanais e organizações da sociedade civil lançam campanha Mar de Luta - Neste domingo (30), ação marca um ano dos impactos do petróleo nas comunidades pesqueiras e no meio ambiente em Pernambuco


Neste domingo (30), completa-se um ano que manchas de petróleo começaram a surgir no litoral de Pernambuco e de outros estados do Nordeste e Sudeste do Brasil. Para marcar a data e pedir justiça, está sendo lançada a campanha Mar de Luta - Justiça Social aos Povos das Águas Atingidos pelo Petróleo. A iniciativa é de movimentos sociais de pescadores artesanais e de organizações de defesa aos direitos humanos e socioambientais, com o apoio do Greenpeace Brasil. O objetivo é continuar divulgando informações sobre os impactos nefastos que as comunidades pesqueiras estão sofrendo até hoje e reivindicar respostas e reparações do governo.

O lançamento da campanha será marcado por uma Live, neste domingo (30) e, na segunda-feira (31), haverá uma série de mobilizações online com postagens nas mídias sociais e, ainda, um tuitaço. “O aparecimento das manchas de petróleo em mais de mil localidades dos nove estados do Nordeste e dois do Sudeste é o maior desastre ambiental em extensão que o Brasil já viveu. Apesar disso, os responsáveis ainda não foram identificados”, afirma o educador social do Conselho Pastoral dos Pescadores – Regional Nordeste, Severino Santos. 

Além dos impactos socioeconômicos provocados pelo derramamento petróleo no litoral pernambucano, muitos pescadores artesanais também não conseguiram receber o auxílio emergencial durante a pandemia do coronavírus neste ano, aumentando sua situação de vulnerabilidade.

Entre as demandas da campanha estão a responsabilização do Estado pela falta de respostas e pesquisas sobre o impacto na saúde da população e sobre os efeitos socioeconômicos e ambientais. A ação também pede um processo rigoroso de avaliação e monitoramento das praias, mangues e oceanos atingidos e se opõe à abertura de novos poços de petróleo nos mares e oceanos. 

Fazem parte da Campanha Mar de Luta: O Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), o Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP), Articulação Nacional das Pescadoras (ANP), Comissão Nacional para o Fortalecimento das Reservas Extrativistas e dos Povos Extrativistas Costeiros Marinhos (Confrem), Rede Manguemar e Núcleo de Estudos Humanidades, Mares e Rios da Universidade Federal de Pernambuco (Nuhumar-UFPE), Coletivo de Comunicação Intervozes. 

CULTURA TRADICIONAL –Em todo o Nordeste, cerca de 500 mil pescadores artesanais produzem mais de 70% do pescado que chega à mesa de um milhão de famílias da Região. Pertencente a uma das culturas tradicionais mais importantes do Brasil, o grupo emprega vinte e cinco vezes mais trabalhadores do que a pesca industrial. Ao todo, são mais de um milhão de pescadores credenciados no Registro Geral de Atividade Pesqueira (RGP).

Segundo cadastro realizado pelas comunidades pesqueiras, associações e colônias de pescadores, em 2019, o número de pescadores artesanais no litoral pernambucano é de mais de 11 mil. Na Zona da Mata, Agreste e Serão são aproximadamente 5 mil pescadores artesanais.


#UmAnoSemResposta | Prestes a completar um ano no dia 30 de agosto, o maior crime ambiental já ocorrido no Brasil continua sem respostas. Pescadores e pescadoras artesanais ainda sofrem os impactos socioeconômicos do derramamento do petróleo no litoral brasileiro. Para relembrar essa data e cobrar respostas do Estado, movimentos de pescadores artesanais e organizações da sociedade civil vão lançar a Campanha Mar de Luta: Justiça Social aos povos das Águas atingidos pelo Petróleo ✊🏾✊🏾, no domingo, dia 30 de agosto. Participe dessa mobilização e saiba mais seguindo os cards! 👇🏾


#MardeLuta











#MardeLuta




sábado, 22 de agosto de 2020

Ir. Nilza Montenegro, a religiosa que revolucionou o processo de organização das mulheres pescadoras do Brasil



No dia de hoje, 22 de agosto, completam-se cinco meses da Páscoa da Ir. Nilza Montenegro. A freira que dedicou boa parte da sua vida na construção do Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP) e na organização das mulheres pescadoras, escolheu um dia simbólico para a sua passagem, 22 de março, o Dia Mundial da Água, o elemento que se conecta diretamente com os Povos com os quais ela tanto aprendeu e ensinou: os pescadores e pescadoras artesanais. Há 3 anos Ir. Nilza Montenegro sofria com uma saúde debilitada, que a impedia de sair do leito que ocupava na residência da Congregação das Irmãs de Santa Dorotéia da Frassinetti, em João Pessoa, na Paraíba.  Se estivesse viva, Ir. Nilza completaria 98 anos, no dia 8 de dezembro.

A notícia do seu falecimento chegou com atraso de cinco meses para nós do Conselho Pastoral dos Pescadores e para as comunidades pesqueiras que tanto apoiou. A sua partida discreta seguiu o estilo de vida reservado e pouco afeito aos laurels, que certamente merecia, mas que nunca encorajou. Por isso, segue aqui uma homenagem singela, em respeito à maneira como Ir. Nilza encarava a vida, mas que está longe da sua importância máxima para a permanência dos pescadores e pescadoras  artesanais de todo o Brasil.

Mas para entender a sua importância, é preciso descobrir afinal, quem foi a Ir. Nilza Montenegro?

 

Quem foi Ir Nilza Montenegro?

Maria Nilza de Miranda Montenegro nasceu na fazenda da sua família no interior da Paraíba, mas cresceu e passou boa parte da sua vida em Campina Grande (PB).  Ela se formou em enfermagem, em Santiago do Chile, mas nunca exerceu a profissão. Aos 18 anos deu início à sua vida religiosa na Congregação das Irmãs de Santa Dorotéia da Frassinetti. Antes de iniciar o trabalho com os pescadores e pescadoras artesanais, Ir. Nilza foi professora e superiora nos colégios administrados pela sua congregação.

Após ter atuado junto com os pescadores e pescadoras da Paraíba, é em março de 1975, com a sua chegada em Itapissuma (PE), que Ir Nilza iniciará o trabalho revolucionário junto aos pescadores e pescadoras artesanais, em especial às mulheres “pescadeiras”, como gostavam de serem chamadas.  “Sete anos após a criação do Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), em Itapissuma, ao lado do padre Benedito Tavares Badú  e do frei Alfredo Schnuettgen, Ir. Nilza mudou a história dos povos das águas em nosso País, da organização da categoria e da luta por direitos sociais, levando, por exemplo, ao reconhecimento da profissão de pescadora artesanal (antes inexistente) por parte do Estado brasileiro em 1979”, explica o sociólogo e professor do departamento de Ciências Sociais da UFPE, Cristiano Ramalho.

O pesquisador tem se dedicado a estudar as organizações de pescadores e pescadoras artesanais e percebe a religiosa como a responsável por ter iniciado pautas de causas importantes para os movimentos pesqueiros até os dias de hoje. “Foi a partir de sua participação que muitas pautas e ações importantes para as comunidades pesqueiras artesanais ganharam força e visibilidade, tais como a luta contra a poluição dos rios e mares; pela democratização e autonomia das colônias de pesca; pelo respeito, conquista e valorização dos direitos das mulheres pescadoras; pela defesa da identidade e do modo de vida dos pescadores e pescadoras artesanais; contra a marginalização socioeconômica e exclusão dos povos das águas. Muitas das conquistas sociais ocorridas na história da pesca artesanal no Brasil, nas últimas 5 décadas, tem, de algum modo, a marca, a presença e/ou a inspiração da freira Nilza Montenegro”, explica.

O reconhecimento da sua atuação também é feito por pescadoras artesanais que a partir do trabalho de Ir.  Nilza, protagonizaram fatos importantes dentro da história da pesca. A pescadora de Itapissuma (PE), Joana Mousinho, foi a primeira mulher pescadora a ser presidente de colônia no Brasil, no ano de 1989. Atualmente, à frente da Articulação Nacional das Pescadoras (ANP), Joana reconhece o estímulo ao protagonismo que Ir Nilza incentivava. “Foi graças à luta contínua e incessante dela que hoje o Brasil reconhece o trabalho das pescadoras, onde antes nem tínhamos o direito à carteira de pesca. Ela, junto conosco, travou uma grande luta em que vencemos”, recorda.

A luta à qual Joana se refere começa ainda nos anos 70, com o trabalho de Ir. Nilza e do conjunto do CPP com as pescadoras. Um dos principais pontos desse trabalho foi o resgate da autoestima dessas mulheres, que passaram a se reconhecer como trabalhadoras da pesca. O auto reconhecimento  ajudou a modificar a situação de total exploração, de invisibilidade e de negação de direitos do Estado. O que rendeu a essas mulheres nos anos de 1978/1979, o acesso ao Registro Geral da Pesca (SUDEPE). Maria das Dores da Conceição, Joana Maria da Conceição, Maria de Lourdes Sena, Maria José Sena, Maria do Socorro da Silva, Damiana Maria da Silva, Ivonete Paulino entre outras mulheres, foram as primeiras a receberem o Registro. Em 1981, já eram 260 mulheres registradas.

Joana Mousinho relembra a importância de Ir. Nilza nesse processo e fala da relação de carinho mútuo com a religiosa, que também foi fonte de aprendizado. “Para mim, a irmã era uma segunda mãe. Me repreendia, mas me ensinou muitas coisas em defesa dos meus irmãos e irmãs da pesca. A mesma deixa um grande legado na luta referente à pesca artesanal. As palavras dela que eu jamais esquecerei: ‘aprendam a andar com suas próprias pernas e sejam agentes da sua história. Nunca se envergonhem da sua profissão’”, relata Joana.

Essa importância também é reconhecida pela pescadora Mônica Mousinho. “Para nós ela foi uma grande professora. Mesmo sendo exigente, soube ser amiga, companheira e deixou um grande legado, que com o seu ensinamento, nós aprendemos. Se hoje estamos à frente da colônia, agradecemos a ela”, reconhece.

O agente de pastoral do CPP de Pernambuco, Severino Santos, mais conhecido como Bill, conheceu Ir. Nilza com apenas um ano de idade. Natural de Itapissuma (PE), Bill vivenciou a importante atuação de Ir. Nilza junto às pescadoras artesanais, mas também presenciou situações mais prosaicas, como a forte amizade entre a sua mãe e a Ir. Nilza, que fazia com que ambas usassem roupas parecidas, costuradas pela própria Ir. Nilza. “O manequim das duas era igual. E como as duas andavam muito juntas, algumas pessoas achavam que minha mãe também era freira”, recorda.

A atuação de Ir Nilza serviu de inspiração para o trabalho que Bill realiza hoje como agente de pastoral, que ressalta a importância e o legado de Ir. Nilza. “Quando muitos não acreditavam, ela assumiu pra si o desafio da luta junto com as mulheres ‘pescadeiras’ na busca de reconhecimento do trabalho e dedicou sua vida à isso. Com seu trabalho, muitas mulheres se afirmaram como grandes lideranças. Seu trabalho foi o de proporcionar o acesso dessas mulheres e seus filhos ao registro de nascimento e até o acesso à carteira de pesca como ações primordiais para acesso aos diretos sociais e econômicos desse grupo tão marginalizado em nossa sociedade . Ir Nilza partiu, mas deixou um legado para continuarmos na luta junto com os homens e mulheres da Pesca Artesanal”, defende. 

Esse protagonismo das mulheres pescadoras iniciado nos anos 70, devido à contribuição da atuação de Ir. Nilza, pode ser percebido nas organizações de pescadores e pescadoras artesanais até os dias de hoje. Em 2006 as mulheres pescadoras se organizaram e criaram a Articulação Nacional das Pescadoras (ANP), que reúne pescadoras de todo o país em pautas que ainda exigem o reconhecimento de direitos das profissionais da pesca pelo Estado e que buscam melhores condições de trabalho para as pescadoras artesanais. O aparecimento da ANP vai influenciar no surgimento do Movimento dos Pescadores e Pescadoras artesanais (MPP) em 2010, que têm entre as suas principais lideranças mulheres pescadoras.  Esse protagonismo feminino se faz presente tanto no nome do movimento, quanto na articulação das lutas.

A importância de Ir. Nilza é enorme e é reconhecida por todos que conviveram com ela. A recente descoberta da sua morte deixa a nós do CPP tristes e aos pescadores e pescadoras artesanais que a conheceram de luto. “Nós pescadoras e pescadores de Itapissuma estamos de luto pela morte da nossa querida Irmã Nilza, mulher guerreira que sentia na pele o sofrimento dos menos favorecidos. Uma mulher que sempre procurou fazer o bem, sem olhar a quem. Foi a nossa grande professora, amiga, conselheira e hoje tudo o que sabemos foi ela quem nos ensinou. Saudades profundas!”, lamenta Joana. Em nós do CPP, essas saudades profundas também reverberam e resta-nos agradecer à Ir. Nilza, dar continuidade e repercutir o seu trabalho que revolucionou a vida de tantos pescadores e pescadoras artesanais pelo Brasil.


22-08-2020

quarta-feira, 3 de junho de 2020

Pescadores artesanais realizam ações em benefício da população




foto: José Elio - Arquivo CPP RN.
 Cultura tradicional promove iniciativas de parceria e solidariedade

Os pescadores artesanais pernambucanos vêm realizando inúmeras ações para gerar renda e levar esperança às comunidades pesqueiras e à sociedade, nessa época de pandemia e isolamento social. Além de contribuir no debate e na implementação de melhores práticas na pesca artesanal, as iniciativas buscam minimizar o impacto da Covid-19 e da quarentena na vida e renda da população.

Uma das ações solidárias é realizada pela Colônia de Pescadores de Porto de Galinhas Z-12 que adquiriu e distribuiu, com recursos próprios, 200 cestas de alimentos aos pescadores impedidos de produzir devido à pandemia. Pescadores de Ipojuca vêm atuando na mesma linha, doando pescado para famílias mais carentes.

Com ajuda de parcerias, o Centro Escola Mangue que funciona em Brasília Teimosa, no Recife, está oferecendo diariamente duas refeições para 50 famílias dos alunos que frequentam a entidade. São grupos familiares que trabalham como vendedores ambulantes,nas praias do Pina, Boa Viagem e Buraco da Velha. Marisqueiras e pescadores, que residem em Brasília Teimosa, também estão realizando campanha de arrecadação de cestas básicas e material de proteção e higiene pessoal para distribuir junto a quem mais precisa.

Em Tamandaré, no Litoral Sul de Pernambuco, o Projeto Pesca Saúde está produzindo 20 mil máscaras de proteção para distribuição gratuita junto a população local. Trata-se de uma iniciativa de fortalecimento econômico da pesca, com a qualificação dos produtos artesanais e procedimentos sanitários em combate a Covid-19. Além dessa ação, os pescadores estão sendo qualificados em boas práticas no manuseio de alimentos, para certificação do Selo Arte para produtos da pesca.

O projeto é uma parceira de pescadores artesanais de Tamandaré com a Fundação Toyota do Brasil, Prefeitura de Tamandaré, por meio das Secretarias de Meio Ambiente, Ação Social e Saúde, Colônia de Pesca Z-5, Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Instituto Recifes Costeiros, Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), Instituto Agronômico de Pernambuco (IPA)e Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Marinha do Nordeste (CEPENE/ICMBIO)

OBSERVATÓRIO – Diversos grupos civis têm promovido campanhas de arrecadação de alimentos, para minimizar os impactos do novo coronavírus, na vida de pescadores que estão impossibilitados de vender sua produção. Uma dessas ações é comandada pelo professor do Departamento de Zoologia da UFPE, Gilberto Rodrigues, que com a ajuda de alunos tem adquirido mantimentos para as comunidades pesqueiras da ResexAcaú-Goiana.

Implementado no último mês de março, o Grupo Observatório dos Impactos do Coronavírus nas Comunidades Pesqueiras vem monitorando a Covid-19, em comunidades pesqueiras de 16 municípios do Litoral, quatro do Agreste e dez do Sertão, em Pernambuco. Outros 16 estados também estão sendo monitorados, dentre eles, Bahia, Ceará, Pernambuco, Piauí, Rio Grande Do Norte, Sergipe, Maranhão, Paraíba, Espírito Santo, Pará, Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.A iniciativa é formada por núcleos de trabalho, laboratórios e pesquisadores de diversas instituições brasileiras, bem como por conselhos, associações, colônias de pesca e movimentos sociais de pescadores.

TELEVENDAS– Quem mora em Tamandaré ou está passando a quarentena por lá está bem assistido no fornecimento de produtos do mar, inclusive de camarão. Devido à necessidade de ficar em casa, a Colônia de Pescadores Z- 05 de Tamandaré passou a oferecer serviço de televendas e entrega de pescado em domicílio. Pescadores de São José da Coroa Grande seguiram o exemplo e estão oferecendo também facilidades na aquisição de pescado.

A solidariedade e empreendedorismo dos pescadores artesanais se multiplica por todo o Estado. Em Fernando de Noronha, em parceria com a administração do arquipélago, o Projeto Pesca Solidária vem ajudando a quem mais precisa. “A administração subsidia o combustível e o rancho dos barcos, compra 50% da produção pesqueira e doa para as 400 famílias cadastradas no serviço de assistência social local. Os produtos são frescos, pois a produção tem menos de 12horas e o peixe é doado imediatamente”, explica o educador social do CPP-NE, Severino Santos.A ação vem sendo acompanhada e autorizada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e a logística é organizada pela Associação de Pousadas e de Locadoras, que entrega o pescado na casa das famílias.

Outra frente voltada para o combate à pandemia e ao fortalecimento da pesca artesanal é o diálogo com o Consórcio de Governadores do Nordeste, em toda a Região. O grupo de trabalho conta com a participação de representantes do Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais do Brasil (MPP), Articulação Nacional das Pescadoras Artesanais (ANP) e da Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas Costeiras e Marinhas (CONFREM). “Estamos trabalhando na construção de uma proposta para incluir a pesca artesanal no programa da agricultura familiar, que o consórcio está organizando em parceria com a Fundo Internacional do Desenvolvimento Agrícola”, comenta Santos.

quinta-feira, 21 de maio de 2020

CPP-NE 02. Garantir a Segurança Alimentar das Famílias de Pescadores e Pescadoras Artesanais


Garantir a segurança alimentar das famílias de pescadores, e pescadoras nesse período, se torna uma ação prioritária nos trabalho de acompanhamento, ja que muitas não são beneficiarias dos programas governamentais. 

O Conselho Pastoral dos Pescadores – Regional Nordeste (CPP-NE), em parceria com as entidades internacionais Adveniat e Misereor, distribuiu 250 cestas de alimentos para famílias de pescadores artesanais, nas comunidades de Porto de Carão – Pendências e Barra de Maxaranguape,Porto da Pescaria e na RDS Ponta do Tubarão em Macau, e Galinhos no Rio Grande do Norte. As entregas foram realizadas nos dias 14 e 15 de maio.

Também receberam os alimentosfamílias das comunidades pesqueiras de Floresta, Serrita, Petrolândia, Jatobá e Serra Talhada, no Sertão de Pernambuco de 12 a 16 de maio. A ação busca garantir a segurança alimentar das populações pesqueiras durante a pandemia, período em que os pescadores e pescadoras artesanais devem permanecer no isolamento social para evitar o contágio pela Covid-19.
Todas as cestas e kits de limpeza estão sendo comprado nos municípios atendidos, contribuindo assim para a movimentação do comercio local, nesse período tão difícil.

Confira as imagens abaixo:
















quinta-feira, 14 de maio de 2020

Convocatória pública aos movimentos e organizações populares para a formação do Observatório Pernambucano de Direitos Humanos para a Crise do Covid-19


O sistema de saúde pública do estado de Pernambuco já apresenta sinais de esgotamento e, com o crescente aumento da população nas ruas, desrespeitando a quarentena, o quadro deve piorar.

Para conter a rápida disseminação do COVID-19 o governo do estado de Pernambuco deve decretar um “toque de recolher”, chamado tecnicamente de lockdown, que consiste no emprego de força policial para somente permitir a abertura de estabelecimentos que ofertam serviços básicos (mercados, farmácias, hospitais, etc.), a circulação de trabalhadores/as desses estabelecimentos e consumidores.

Diante do crescimento descontrolado do número de casos do COVID-19, experiências internacionais mostram que esta é uma medida eficiente.

Porém, a execução do lockdown em Pernambuco e em boa parte do Brasil, causa preocupação por vários motivos:

(1) Inexistência de uma política que garanta segurança social, assim como a completa ineficiência do Auxílio Emergencial, está aumentando a pobreza e a miséria,  forçando as classes populares a irem às ruas em busca de sobrevivência.
(2) Grande parcela da população sobrevive em situações precárias (casa em áreas de risco, excesso de pessoas em pequenos espaço, falta de água), o que dificulta ainda mais o distanciamento social, até mesmo dentro das casas.
(3) Truculência policial cotidiana nos bairros populares, que se agrava em momentos de crise.
(4) Possível utilização das forças armadas, treinadas para o combate de inimigos, e não para abordagem social.

Diante deste contexto de exceção e potencial violação de direitos humano torna-se necessário o acompanhamento das ações do Governo do Estado de Pernambuco pelas mais diversas organizações e movimentos da sociedade civil.

É pensando nisso que surge o Observatório de Direitos Humanos do estado de Pernambuco.

O Observatório, que terá atuação permanente, inicia as atividades durante a crise do Covid-19 buscando atuar junto aos territórios mais vulnerabilizados - acumulando experiência populares bem sucedidas no combate ao COVID-19; como uma ouvidoria popular para auxiliar eventuais violações de direitos humanos, acompanhando as ações governamentais etc. - e, ao mesmo tempo, incidir junto ao governo do estado - cobrando transparência e participação popular nas reuniões do Comitê de Gestão da crise do COVID 19, exigindo o cumprimento de protocolos internacionais, assim como atuação humanizada no sistema prisional.

Quer participar? 
Para mais informações:
Email - comitelock19@gmail.com

sexta-feira, 8 de maio de 2020

Comunidades pesqueiras sofrem prejuízos com avanço da Covid-19.


Pescadores artesanais cobram ações emergenciais de assistência ao grupo

Foto: Severino Ramos - Tamandaré/PE
Com o prolongamento do isolamento social, por conta da Covid-19, os pescadores artesanais continuam enfrentando uma série de dificuldades para garantir o seu sustento. Além dos prejuízos causados pelo derramamento de petróleo, que se alastram até hoje, as comunidades pesqueiras agora não estão conseguindo vender sua produção, por conta do fechamento do comércio.
Esses fatores têm levado o grupo a depender de auxílios governamentais. “O problema é que muitos pescadores não têm celular ou não sabem manusear bem a internet, o que inviabiliza o acesso ao programa da bolsa emergencial. Alguns deles sequer estão conseguindo efetivar o cadastro”, explica o educador social do Conselho Pastoral dos Pescadores – Regional Nordeste, Severino Santos.
Para quem não tem Bolsa Família, o governo federal criou o Conta Fácil Digital, que também não é simples de usar. “O pescador precisa entrar no link da Caixa Econômica, tem que baixar o código até duas horas antes de ser atendido, mas se passar desse prazo o código expira e ele fica sem acesso ao direito”, alerta o educador social.
Outra questão que vem tirando o sono dos pescadores é o funcionamento das lotéricas e das agências da Caixa. “A maior parte das lotéricas não têm dinheiro para fazer os pagamentos. O pescador enfrenta filas enormes e, na hora de receber, fica lá esperando ou faz uma transferência para uma conta pessoal. Depois tem que entrar numa nova fila para poder sacar em outra agência ou no caixa 24h”, relata Severino. A isso se soma a precariedade do atendimento, com agências fechadas por problemas estruturais ou porque ficam dentro de shoppings, e outras sem estrutura para atender.
VENDAS – A comercialização do pescado proveniente da pesca artesanal está praticamente paralisada, causando prejuízos enormes a essa cadeia produtiva. “Em municípios como Itapissuma e Itamaracá, onde o comércio local de pescado está vinculando a culinária local e ao turismo, as vendas tiveram queda de mais 90%, pois bares e restaurantes se encontram fechados”, diz o professor titular de sociologia da UFPE, Cristiano Ramalho. Situação similar acontece no Litoral Sul de Pernambuco.
Outro aspecto que preocupa é a saúde nas comunidades pesqueiras. “Temos ouvido que, em muitas localidades, pescadores estão com medo de falar que estão com sintomas da Covid-19, temendo descriminação. Além disso, têm muita dificuldade de garantir o isolamento da pessoa doente e da família, pois as moradias são pequenas”, comenta o professor. Esses fatores têm levado o Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais a cobrarem das autoridades municipais, estaduais e federais ações emergenciais e concretas de assistência às comunidades de pesca.
IMPORTÂNCIA –Em todo o Nordeste, cerca de 500 mil pescadores artesanais produzem mais de 70% do pescado que chega à mesa de um milhão de famílias da Região. Pertencente a uma das culturas tradicionais mais importantes do Brasil, o grupo emprega vinte e cinco vezes mais trabalhadores do que a pesca industrial no Brasil. Ao todo, são mais de um milhão de pescadores credenciados no Registro Geral de Atividade Pesqueira (RGP).
Segundo cadastro realizado pelas comunidades pesqueiras, associações e colônias de pescadores, em 2019, o número de pescadores artesanais no litoral pernambucano é de mais de 11 mil. Na Zona da Mata, Agreste e Serão são aproximadamente 5 mil pescadores artesanais.