segunda-feira, 17 de março de 2014

CARTA ABERTA À SOCIEDADE BRASILEIRA

“Vocês, de manhã, administrem a justiça e libertem o oprimido da mão do opressor...”
Jr.21,12b
Nós, agentes do Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), estivemos reunidos em assembleia nacional com a participação de representantes do Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais do Brasil (MPP) e de outras organizações que atuam na defesa dos direitos dos povos e das populações tradicionais, no período de 10 a 14 de março/2014, em Olinda/Pernambuco. Na ocasião, avaliamos as ações do CPP junto aos pescadores/as artesanais; construímos estratégias coletivas visando fortalecer o protagonismo dos pescadores/as na luta pela garantia dos seus direitos.
Diante da conjuntura avaliada, constatamos o acirramento da situação de negação de direitos em que vivem as pescadoras e os pescadores artesanais do país submetidos à política desenvolvimentista adotada pelo Estado. A ação do governo ignora o modo de vida destas comunidades objetivando a abertura de espaços para o avanço dos grandes projetos, do turismo predatório, da mineração, da privatização das águas, da especulação imobiliária, da Aquicultura empresarial dentre outros investimentos que, incentivados de forma desordenada, ameaçam a vida destas populações tradicionais. Ao discutirmos sobre tais questões agigantou-se nossa indignação frente ao modo desprezível com que o Estado e as empresas privadas tratam as famílias e comunidades do pescadores/as artesanais. Estas se encontram entre as comunidades mais discriminadas pelo governo e pela sociedade.
Indignados com esta realidade de opressão e exclusão, comprometidos/as o Deus do Povo e com o Povo de Deus, reafirmamos nosso compromisso com as comunidades tradicionais pesqueiras na luta pela garantia dos seus direitos, bem como na luta pela permanência e retomada dos seus territórios.   Da mesma forma, DENUNCIAMOS:
  • A privatização dos corpos das águas públicas, bem de uso comum do povo brasileiro e que já tem inúmeras comunidades que tradicionalmente utilizam essas áreas, através de várias estratégias dentre elas os editais para repassar o controle a empresas e pessoas físicas, impedindo o acesso, a cultura e o trabalho das comunidades tradicionais pesqueiras;
  • A dificuldade, principalmente das mulheres, em acessar atendimento de saúde adequado e de qualidade, bem como o não reconhecimento das doenças ocupacionais específicas dos trabalhadores/as da pesca artesanal, junto à Previdência Social;
  • A manobra do governo aliado às organizações burocratas que dificultam e até mesmo negam o acesso aos direitos conquistados;
  • O acordo de cooperação firmado entre o MPA (Ministério da Pesca e Aquicultura) e CNPA (Confederação Nacional da Pesca e Aquicultura) que fere direitos constitucionais e sindicais, como a livre associação e a autonomia sindical, com o propósito de manter os pescadores/as atrelados à esse sistema de organização que os mantém reféns;
  • A burocratização do MPA que dificulta o acesso e a manutenção do Registro Geral da Pesca (RGP). Muitos homens e mulheres das águas não conseguem ter seus registros; são obrigados a se recadastrarem anualmente e mesmo assim não tem o RGP reconhecido pelos próprios órgãos do governo ao acessar direitos;
  • A terceirização dos serviços de responsabilidade do MPA aos pescadores/as que, ao serem repassados à outras organizações cria um circulo vicioso de domínio político, econômico e uso eleitoral;
  • As constantes ameaças sofridas pelas comunidades tradicionais pesqueiras em luta pelo direito de permanecerem em seus territórios. Diversas tentativas de expulsão as levam à situações de violação dos direitos humanos. Um exemplo emblemático é o caso da comunidade do Cumbe/Aracati, no Ceará, que sofre com a violenta ação da justiça que atua para retirá-la do seu espaço, em benefício de um grupo de empresários da carcinicultura.
O que está acontecendo com as comunidades tradicionais pesqueiras trata-se de um verdadeiro genocídio cultural incentivado pelo Estado. Conclamamos a sociedade brasileira para que conheça e apoie a luta das comunidades pesqueiras afim de que seja preservada sua cultura, sua tradição e o seu modo de vida. Estas comunidades cumprem um papel fundamental na conservação do meio ambiente e na garantia da distribuição de uma alimentação saudável para o povo brasileiro.
Solicitamos da mesma sociedade um gesto concreto em prol desta causa: que se empenhe com todas as forças na Campanha Nacional pela Regularização do Território das Comunidades Tradicionais Pesqueiras. Esta campanha propõe um projeto de lei de iniciativa popular sobre o reconhecimento, proteção e garantia do direito ao território dos pescadores e pescadoras artesanais. Os povos das águas são dignos de representar a luta por um país com menos desigualdades e onde a preservação dos direitos de todo ser humano seja respeitado. Estamos na luta pela preservação do modo de vida, da cultura, do meio ambiente e contra o modelo predatório de crescimento capitalista. Propomos a toda sociedade brasileira a construção de um novo modelo societário: a cultura do Bem Viver.
Quanto às comunidades Tradicionais Pesqueiras, nesta luta, resta-nos dizer, que esse povo resiste!  É como bem expressa o profeta bíblico:
“Vejam! Esse povo chega veloz e ligeiro. No meio dele, ninguém cansa, ninguém tropeça, ninguém tem sono, ninguém cochila, ninguém desaperta o cinturão... Suas flechas estão afiadas, e todos os arcos bem esticados; os cascos de seus cavalos parecem de pedra e as rodas de seus carros são como furação. Seu rugido é como da leoa, ruge como leão novo.”
– Is. 5, 26b-30
 
 Nas águas da organização pescando vida e dignidade!
Participantes da assembleia Nacional do CPP
Olinda/PE, 14 de Março de 2014

quinta-feira, 13 de março de 2014

CARTA DA CNBB AOS PARTICIPANTES DA ASSEMBLEIA DO CONSELHO PASTORAL DOS PESCADORES - CPP


 


CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL
  Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz. 

 

Brasília 12 de março de 2014

 

 

Aos Irmãos e Irmãs da Pastoral dos Pescadores!

 

 

 Saudações em Cristo!

 

 

            A Comissão Episcopal Pastoral para o serviço da Caridade, da Justiça e da Paz manifesta carinho, respeito e comunhão com todos os participantes da Assembleia da Pastoral dos Pescadores, que está acontecendo na cidade de Olinda – PE.

 

 Sabemos da importância deste momento para todas as pessoas envolvidas. Que as decisões tomadas possam gerar bons frutos e contribuir no fortalecimento desta pastoral, pois sua missão é fundamental, sobretudo, quando assume atitudes e gestos proféticos diante das dificuldades que os trabalhadores da pesca têm enfrentado, como consequências das injustiças sociais ainda reinantes em nosso País.

 

            A quinta urgência das Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil convoca a todos a promover e defender a vida, o que compreende o empenho pela promoção humana e a justiça social.   A partir desta iluminação, manifestamos nosso apoio e solidariedade na luta assumida e agradecemos a cada agente que se coloca junto aos pescadores nas suas reivindicações fundamentais, especialmente na defesa dos territórios da pesca.  É um meio eficaz de defesa e promoção da vida, marcado pelo compromisso cristão que consiste na promoção da cidadania plena para todos.  

 

            Rogamos as bênçãos da Mãe Aparecida, resgatada das águas por pescadores pobres, a todos os participantes desta Assembleia.

  

 

Com afeto fraterno!

 

Dom Guilherme Antonio Werlang, M.S.F.

Bispo Diocesano de Ipameri

Presidente da Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz. 

quarta-feira, 12 de março de 2014

Comunidades de marisqueiras do Brasil são marcadas pela poluição industrial

Por Zoe Sullivan para o The Guardian 
Tradução:  Hulda Stadtler
 
Edinilda de Ponto dos Carvalhos, com pouco mais de cinquenta anos, é marisqueira, ou pescadora artesanal, da praia de Suape desde muito jovem. Recentemente, segundo ela, seu trabalho  vem se tornando mais duro.
 “
Existem produtos químicos na água. Não possuem cheiro, mas matam todas as coisas” diz Enilda. Ela acredita que a poluição vem do complexo portuário próximo no litoral sul de Pernambuco, estado no Nordeste do Brasil, considerada uma região de desenvolvimento econômico central.
Outra marisqueira, Valéria Maria de Alcântara, diz: “O barro produz coceiras por causa do óleo e dos dejetos, restos que ficam na água do mar. Isto queima a pele.”
De acordo com um programa de treinamento do estado, as mulheres compreendem 5.200 dos 8.700 pescadores daquela comunidade pesqueira. Elas trabalham duro para pescar mariscos na água ou no manguezal do entorno.
Nesta manhã de sol, Edinilda e mais 20 outras marisqueiras resolveram falar sobre a crise em suas vidas devido à poluição e depredação dos manguezais. “Pescadoras que antes retiravam de 20 a 30 quilos de conchas, agora, durante toda uma semana, chegam a 3 quilos”, diz Valéria sentada em uma cadeira de metal em seu terraço.
Centenas, se não milhares, de outras pescadoras ao longo da costa de Pernambuco dividem essa
experiência. Tradicionalmente, o pescado das marisqueiras dava para o sustento de suas famílias, e qualquer excedente era comercializado em mercadinhos locais, complementando a renda familiar. Valéria diz que agora ela precisa trabalhar nas cozinhas dos bares locais nos finais de semana para complementar a renda por conta da queda em sua produção.
“Na história da pesca no Brasil, a atividade das mulheres tem sido invizibilizada”, diz Laurineide Santana. “O que essas mulheres produzem não entra na estatística oficial da pesca.”
Ela afirma que as políticas do governo marginalizam ainda mais o trabalho das mulheres, e que só a partir de 1980, quando o Brasil adotou a nova Constituição, é que as trabalhadoras rurais tiveram um reconhecimento mínimo e adquiriram direito a pensão.
Santana, que nasceu em uma família de pescadores, atua no apoia às comunidades pesqueiras nos estados do norte/nordeste do Brasil. Ela faz parte do Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), um grupo católico que atua na organização social de pescadores artesanais em todo o país. Em particular, Laurineide trabalha com mulheres no intuito de tornar visível a atividade desses grupos e seus resultados, elevando a autoestima das pescadoras.
Entre 2007 e 2010, o então presidente Luís Inácio Lula da Silva disponibilizou para Suape 1,4 bilhões de reais para garantir o desenvolvimento econômico do complexo portuário e o crescimento no estado de Pernambuco, seguido de demais investimentos privados.
O complexo está instalado no litoral sul do Recife, capital do estado, e possui mais de 100 empreendimentos, incluindo uma refinaria, um polo petroquímico e muitos empreendimentos imobiliários. A expansão tem criado milhares de vagas de empregos, a maioria temporários, contudo vem danificando o meio ambiente e as práticas de sobrevivência tradicionais e locais.
Em setembro de 2013, a secretaria de meio ambiente do estado multou o Porto e o Complexo industrial em 2,5 milhões de reais por causar dos danos ao meio ambiente ocasionados, como o uso de dinamite em áreas de corais próximas ao porto.
Uma porta voz do porto estimou em 10% a contribuição de Suape com o pib pernambucano. Os gestores municipais próximos ao porto introduziram impostos especiais para a indústria, mas ninguém foi capaz de dizer o quanto que esses impostos retornam para melhoria local da comunidade ou como o dinheiro vem sendo empregado.
“Suape é um exemplo atual do modelo de desenvolvimento adotado pelo governo brasileiro”, afirma a secretaria executiva do CPP Nacional Maria José. “Esse é um modelo de desenvolvimento baseado no consumo, exploração e concentração de recursos.”
O CPP vem trabalhando com outras organizações para coletar assinaturas suficientes para que um projeto de lei de iniciativa popular de proteção e reconhecimento de áreas tradicionais da pesca artesanal em comunidades brasileiras seja apresentado ao Congresso Nacional
“Essas populações possuem uma qualidade de vida muito superior, ainda que em condições de pobreza, que é o que tem oferecido o modelo brasileiro de industrialização”, diz Maria José.
Texto traduzido. Publicado originalmente no The Guardian, para acessar essa versão, clique aqui. , fotos arquivo do CPP.