sexta-feira, 29 de maio de 2015

CARTA DO POVO DO RIO


CARTA DO POVO DO RIO

“EU VIRO CARRANCA HOJE, PRA DEFENDER O VELHO CHICO”

 

Nós camponeses e camponesas, pescadores e pescadoras artesanais, indígenas, povos de terreiros e quilombolas do São Francisco, movimentos sociais e pastorais, decidimos “Virar Hoje Carranca, pra Defender o Velho Chico”. Nada melhor do que abrir nossas lamúrias e anunciar vida, no chamado “parlamento da Bacia do Rio São Francisco”.

Constatamos indignados nos últimos dez anos, a morte gradativa do Velho Chico. Por causa das barragens hidrelétricas, vimos muitas espécies de peixes desaparecerem, diminuírem em tamanho e qualidade, em função da baixa vazão, provocada pela Chesf.

Constatamos embravecidos, o Cerrado e a Caatinga serem brutalmente desmatados e as matas ciliares desaparecerem para dar lugar aos grandes empreendimentos (turísticos, grandes irrigações, especulação imobiliária, mineração, aquicultura...) e ações privatistas das terras de beira rio que vem impedindo os pescadores artesanais de terem acesso às águas, ilhas, lagoas e manguezais, como no caso dos mangues da Foz do Velho Chico espoliado com a carcinicultura.

Constatamos exasperados a terra e a água sendo contaminadas por altos índices de agrotóxicos e adubos químicos, empreendidos pelo agronegócio devastador, inclusive por órgãos como a CODEVASF.

Constatamos as Cidades e povoamentos, continuarem jogando lixo e esgotos no Rio São Francisco, e vimos nesta região muitos parasitas e corpos estranhos presentes em nosso ecossistema, e o poder público com projetos enganadores de esgotamento sanitário e poucas ou nenhumas medidas satisfatórias serem realizadas.

Constatamos indignados, que a baixa vazão vem provocando altos índices de poluição como a ‘mancha escura’ nas águas do Cânion São Francisco que deixou cidades e povoados sem abastecimento de água e o problema ainda permanece, sobretudo, nos povoados ribeirinhos, comprometendo inclusive, a qualidade do pescado e sua comercialização.

Constatamos ainda, o surgimento das cianobactérias e cianotoxinas na barragem de Serrinha, em Serra Talhada-PE, cujas águas estão impróprias para o consumo humano e a pesca. A saber, a cianotoxina além de ser resistente à fervura da água, provoca câncer.

Diante desta situação crítica, não podemos acreditar que a seca, enquanto fenômeno natural do Semiárido, seja responsabilizada mais uma vez por este colapso, sendo que os grandes irrigantes continuam usando a mesma quantidade de água para o agronegócio de exportação e a Chesf mantem uma baixa vazão para geração de energia. Sabemos que, o que interessa para Chesf e para a lógica do atual modelo de desenvolvimento econômico predador é o estoque da perspectiva futura da matriz energética, com mais barragens e ainda usina nuclear propostas para a região de Itacuruba – PE, além dos canais da transposição do rio e as mini-transposições como o canal do Sertão em Alagoas para irrigar terra de rico.

 

Diante destas e outras questões, propomos verdadeiramente, uma POLÍTICA DE REVITALIZAÇÃO DO SÃO FRANCISCO, que leve em consideração as reflexões e as necessidades do povo, começando com uma REVITALIZAÇÃO DO PRÓPRIO COMITÊ DE BACIA, como:

 

·                    Não podemos aceitar mais, o desrespeito com que o Comitê de Bacia tem tratado o povo do rio, em especial os pescadores artesanais, colocando-os na mesma categoria com turismo e lazer na cadeira de representação no Comitê, demonstração da falta de reconhecimento das comunidades pesqueiras como tradicionais, desconsiderando, a Convenção 169 do qual o Brasil é consignatário e o Decreto 6.040/2007 que trata sobre a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais - PNPCT. Portanto, os pescadores artesanais não podem continuar a ser vistos como os predadores do São Francisco, mas, como “guardiões do Rio”, pois de fato são eles os guardiões.

·                    Queremos um Comitê de Bacia autônomo, que leva em consideração as reflexões e necessidades do povo, que construa ações efetivas e articuladas de Revitalização do São Francisco com: saneamento básico e convivência com o Semiárido, uso sustentável e racional da terra e da água, manutenção e proteção da biodiversidade e ecossistemas do rio, recuperação de matas e nascentes, melhoria da qualidade da agua e a proteção as populações que possuem um modo de vida diferenciado culturalmente e socialmente. Precisamos reaprender com nossos ancestrais, o que talvez perdemos a muito tempo atrás, a convivência sábia e equilibrada com os rios, matas, bichos e gentes. Voltemos a ser humanos Hoje, para que assim construamos um modelo de desenvolvimento capaz de gerar vida e não morte.

 

Subscrevemos,

 

·         Povo Indígena Truká-Tupan de Paulo Afonso

·         Povo de Terreiro – Abassà da Deusa Oxum de Idejemim

·         Movimentos dos Pequenos Agricultores – MPA

·         Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais - MPP

·         Conselho Pastoral dos Pescadores – CPP

·         Colônia de Pescadores Artesanais Z26 de Delmiro Gouvéia - AL

·         Colônia de Pescadores Artesanais Z30 de Piranhas - AL

·         Colônia de Pescadores Artesanais de Petrolândia – PE

·         Colônia de Pescadores Artesanais Z 86 de Glória - BA

·         Associação de Pescadores e Pescadoras Artesanais de Olho D’Água do Casado – APESCA

·         Associação de Pescador Artesanal do Povoado Salgado – SALGATUBA PESCA

·         Associação Quilombola da Comunidade Cruz

·         Instituto Acção

·         Sociedade Brasileira de Ecologia Humana – SABEH

·         ACRANE – Associação Cultural Raízes Nordestinas

·         AGENDHA – Assessoria e Gestão em Estudos da Natureza Desenvolvimento Humano e Agroecologia

·         Território da Cidadania de Itaparica

 

 

Paulo Afonso – BA, 28/05/2015.

quinta-feira, 28 de maio de 2015

IRMÃS BERNARDINAS FRANCISCANA, 10 ANOS DE MISSÃO ENTRE OS PESCADORES E PESCADORAS TRADICIONAIS DE BARRA DE SIRINHAÉM/PE


               O ano de 2005 foi um ano de graças para a comunidade de pescadores e pescadoras artesanais de Barra de Sirinhaém. A chegada das irmãs Franciscanas Bernardinas na comunidade contribuiu para a transformação; imbuídas do evangelho de Jesus Cristo revelado aos pobres, contribuíram para a mudança dos fracos e oprimidos em atores e protagonistas de sua história, proporcionando assim a união e a organização dos pescadores e potencializando a luta pela libertação e conquista de seus direitos.

A Galileia das irmãs Franciscanas Bernardinas em Pernambuco, é a comunidade de pescadores e pescadoras de Barra de Sirinhaém, na recém-criada paróquia de São Francisco de Assis. Estando oprimidos pelo poder dominante, nenhuma força de libertação até então havia ressoado até a chegada das irmãs Franciscanas. Uma comunidade pequena com menos de 8 mil habitantes, mas com tantas contradições sociais, em que o poder público e judicial local é dominado pelo poderio das usinas de cana de açúcar da região e latifúndios, que oprimem e marginalizam os que  reagem  e se levantam contra as opressões.

As irmãs Bernardinas tiveram a missão de abrir poços, onde a água e a sede por conhecimento e libertação se misturavam: com a falta de informação, o preconceito moral, religioso e a exclusão social. Diante do observado e vivenciado no dia a dia, as irmãs imbuíram-se da presença do Deus vivo, passando a contribuir com os anseios dos pescadores e pescadoras, respeitando sua cultura e estimulando sua organização.

Os pescadores e as pescadoras estavam há mais de 20 anos em situação de total desarticulação, deixando os sinais de morte enraizar-se, na comunidade com a ampliação para comunidades pesqueiras vizinhas, como pudemos observar na expulsão das mais de  56 famílias das ilhas do estuário do rio Sirinhaém.

A colônia de pescadores, organização de classe e de representação dos pescadores e pescadoras do município há mais de 10 anos não realizava assembléia, nem prestava contas de suas ações para os associados e ainda se negava a prestar qualquer serviço a favor dos pescadores e pescadoras. A estrutura física da organização (sede) estava destruída e sem condições de funcionamento; grande parte das mulheres precisavam migrar para o litoral norte na busca por pescados como: Aratu e Marisco, já que a poluição com as descargas de vinhaça da usina acabava com a produção dos estuários.

Como boas articuladoras, e na busca da construção de um reino fraterno e inclusivo, em que os pescadores e pescadoras se percebessem como imagem e semelhança de Deus, as irmãs conquistaram o respeito e admiração de todos da comunidade de Barra de Sirinhaém. Grande parte das mulheres pescadoras, não tinham seus direitos reconhecidos, e muitas vezes eram desrespeitadas dentro da comunidade. Com o estimulo ao auto conhecimento pessoal e valorização dos espaços coletivos de reflexão, as mulheres recuperaram suas auto estimas e hoje dominam as discussões na organização da comunidade.

Toda missão é um caminhar rumo à terra prometida, é um abrir caminhos para que outros possam juntos com outros transformarem, as forças geradoras de opressão em espaços de dialogo e de partilhas de forma igualitárias e solidárias entre os lutadores e lutadoras na construção do reino. As irmãs Bernardinas Franciscanas souberam como poucos vivenciar o evangelho, sendo mediadoras sem tomar a frente da luta; contribuindo para a transformação da comunidade, em que homens e mulheres, de forma coletiva construíram suas metas e objetivos na busca de um mundo melhor e fraterno.

As irmãs contribuíram e ainda tem muito a contribuir com o resgate do trabalho pastoral junto às famílias de pescadores e pescadoras artesanais do litoral sul de Pernambuco, com a missão de ser sal e luz. Vamos colocar óleo nas lamparinas e vigiar para que aconteçam as transformações almejadas pelas comunidades pesqueiras. Devemos celebrar com alegria as vitórias alcançadas e vigiarmos, por que o senhor é bom, e sua benignidade dura para sempre!

 
Pela Equipe do CPP Nordeste.