CARTA DO ENCONTRO DOS PESCADORES E PESCADORAS DE RECIFE
“Pescadoras e Pescadores na Luta em Defesa de Direitos e Territórios
Pesqueiros Tradicionais”
É com a força das lutas cotidianas de mulheres e
homens da pesca artesanal que nós, das Comunidades Tradicionais Pesqueiras da
cidade de Recife (Brasília Teimosa, Bode, Ilha de Deus, Coelhos, Coque, Vila
São Miguel, Caranguejo Tabaiares, Vila da Imbiribeira, Vila Tamandaré, Ponte do
Limoeiro, Espaço Ciência) e Ilha do Maruim em Olinda, com o apoio das organizações
da sociedade civil, instituições de ensino e pesquisa, apresentamos, através
desta carta, o nosso Grito de Resistência por ocasião do ENCONTRO DOS
PESCADORES E PESCADORAS DE RECIFE, que teve como tema “Pesca Artesanal
no Recife: Desafios e Perspectivas na Consolidação dos direitos e Territórios
Pesqueiros Tradicionais” e cuja realização deu-se nos dias 18 e 19
de setembro de 2017, às margens do Rio Capibaribe, no Memorial de Medicina de
Pernambuco, Recife, Brasil.
Cidade do Recife que surgiu de uma Vila de
Pescadores, onde a maior parte de seus bairros constituiu-se como marca de uma
vida ribeirinha, historicamente influenciada pelos rios, mangues, estuários,
córregos e a própria pesca artesanal. Sem dúvida, Recife necessita
reencontrar-se consigo ao valorizar seu mundo das águas e aquelas e aqueles que
sempre fizeram desse recurso natural, principal meio de existência material e
simbólico de suas vidas. Por isso, o Encontro foi também um Grito Histórico.
Nele [no Encontro], discutimos e constatamos que as
nossas Comunidades Tradicionais Pesqueiras Urbanas vivenciam cotidianamente
sistemáticas pressões e violências provocadas pelo desenvolvimento de um
projeto de cidade cada dia mais excludente em termos de classe, juventude,
gênero e raça/etnias; que nega a existência e o pleno
desenvolvimento das Comunidades Tradicionais Pesqueiras. Tudo isso se liga a um
projeto de cidade ambientalmente injusto, que encontra nos rios uma comprovação
desse fenômeno, a partir das formas insustentáveis de usos de suas águas
(esgotamento doméstico; depósito e descarte de resíduos domésticos,
hospitalares e industriais; desmatamento dos mangues; assoreamento dos rios;
especulação imobiliária e urbanização negadora da reprodução do modo de vida
ribeirinho/pesqueiro).
Intensificando esse aspecto, a
ausência de dados sobre a produção pesqueira e o não reconhecimento dessas
populações como ocupantes históricas dessas áreas urbanas, produzem ainda mais
bloqueios para a continuidade desse modo de vida tradicional em termos de produção
econômica e de identidade sociocultural.
Apesar disso, como aspectos da resistência das
Comunidades Tradicionais Pesqueiras, que trabalham há décadas em rios e mangues
maltratados por este modelo de cidade, dados preliminares demonstram que mais
de 1.400 famílias vivem diretamente da produção de pescados, retirada dessas
águas. Comunidades como Ilha de Deus, juntamente com Vila da Imbiribeira e
Bode, produzem mensalmente mais de 30 toneladas de polpa de sururu, além de
outras espécies de peixes, moluscos e crustáceos, o que reflete a importância
da pesca artesanal para a soberania e segurança alimentar e também econômica
dessas comunidades – assim como para uma significativa parcela da população da
cidade. Recife possui hoje, a maior frota de embarcações lagosteiras de
Pernambuco, com 40 embarcações licenciadas, envolvendo diretamente mais de 200
pescadores.
Outro fato relevante e que, de certa maneira,
anuncia a tradição da pesca na cidade de Recife, é a capital pernambucana ter a
Colônia de Pesca mais antiga do estado, cuja criação ocorreu no início da
década de 1920.
Diante dessa realidade, que nos
mostra a concretude da atividade pesqueira artesanal na cidade de Recife como
fonte de reprodução da vida de mais de mil famílias, chamamos a atenção para a
existência dos Territórios Pesqueiros Urbanos. Os Territórios Pesqueiros são
constituídos por elementos concretos e subjetivos que permeiam a referida
atividade – como a água dos rios, mangues, mares e marés; a terra que serve
para moradia, vivências e trabalho; além das relações históricas, identitárias
e afetivas que as comunidades mantêm com esses espaços.
A violência com as comunidades pesqueiras
artesanais se dá principalmente em dois âmbitos. Um deles é o âmbito político,
pela ausência de políticas públicas direcionadas às comunidades e à atividade,
ou pela efetivação de políticas que resultam em consequências negativas, como
privatização de áreas de uso comum e negação do acesso às áreas de
navegabilidade. O outro âmbito, que se relaciona com o anterior, é o
territorial, onde a violência se dá tanto pela poluição e degradação da
natureza nos espaços de pesca (e na cidade de forma geral), refletindo-se em
impactos sobre a reprodução e diversidade de espécies pesqueiras; como também
pelo avanço do capital privado e/ou do Estado nesses territórios, através de
empreendimentos e apropriações diversas, que disputam um espaço secularmente
ocupado e apropriado por essas comunidades por meio do trabalho pesqueiro.
Os Territórios Pesqueiros Urbanos de Recife são,
nesse sentido, invisibilizados, criminalizados e ameaçados, o que contribui
dentre outras coisas, para uma crescente precarização da atividade e
instabilidade econômica para as famílias que vivem da referida atividade.
Soma-se ao descaso dos poderes públicos municipais
e estadual, o período de grandes retrocessos políticos, econômicos, sociais e
culturais que vive o país hoje, com a negação de direitos constituídos.
Direitos estes, conquistados com muitas lutas populares ao longo de todo século
XX, sendo cristalizados na Constituição Federal de 1988. Tal conjuntura de
perda de direitos tem, de forma indireta e direta, impactado (e continuará
impactando) negativamente as Comunidades Tradicionais Pesqueiras de Recife.
Nesse sentido, as 12 comunidades presentes no
Encontro, objetivam o reconhecimento da sua agenda histórica de reivindicações,
seja contra o constante descaso das autoridades locais, estaduais e federal;
seja em favor da implementação e conquista de direitos fundamentais dos
trabalhadores e trabalhadoras da pesca artesanal (registros trabalhista e
previdenciários); seja por um atendimento/assistência a saúde que contemple as
particularidades dos homens e mulheres que vivem da pesca – em especial, à
saúde das mulheres, susceptíveis a doenças ocupacionais por estarem muito tempo
dentro da água e expostas às insalubridades do ambiente de trabalho degradado.
Além disso, cabe ressaltar as situações de vulnerabilidade às quais essas
mulheres estão expostas, como assaltos, estupros e violências. Ademais, esses
territórios por se caracterizarem pela população negra e em situação de
pobreza, vivenciam ainda, diariamente, o extermínio e encarceramento de jovens
negros e negras.
Por fim, numa cidade envolvida pelas
águas, as questões apresentadas que afetam as comunidades pesqueiras, também
afetam toda a população recifense. Reafirmamos, portanto, nossos compromissos
de luta em defesa e reconhecimento dos Territórios Pesqueiros e garantia dos
direitos das comunidades tradicionais.
Recife, 19 de setembro de 2017.
1.
1. Alexsandro
de Souza Gouveia – Ilha de Deus
2. Ana
Mirtes da Silva Ferreira – Ilha de Deus
3. Ana
Paula F. dos Reis – Ilha de Deus
4. Aniérica
Almeida – Centro Sabiá
5. Antonio
Marcio Moreira de Carvalho – Bode/Pina
6.
Augusto da Silva Guimarães – Colônia dos Pescadores Z 01
(Brasília Teimosa)
7. Beatriz Mesquita - Pesquisadora
8. Carmelita
Júlia da Silva – Ilha de Deus
9. Carlos
André Justino da Silva – Ilha de Deus
10. Carlos
Alberto de Oliveira – Espaço Ciência
11. Centro
de Desenvolvimento Agroecológico Sabiá
12. Conselho
Pastoral dos Pescadores - Regional Nordeste 02 (CPP/NE)
13. Clênio
da Silva Alves – Vila Tamandaré
14. Cristina
Nascimento de Lima – Vila da Imbiribeira
15. Danilo
Firmino dos Santos – Pode/Pina
16. Debora
Maria de Santana – Ilha do Maruim/Olinda
17. Dijane
Maria dos Santos – Vila Tamandaré
18. Djailson
Felix da Silva – Vila Tamandaré
19. Dr.
Beatriz Mesquita – Pesquisadora
20. Dr.
Cristiano W.N. Ramalho – Pesquisador PPGS/UFPE
21. Dr.
Suana Medeiros Silva – Laboratório de Estudos e Pesquisas sobre Espaços
Agrários e Campesinos – LEPEG/UFPE.
22. Edileuza
Silva do Nascimento – Brasília Teimosa
23. Edline
Silva Nascimento – Brasília Teimosa
24. Edna
Francisca Maciel – Vila da Imbiribeira
25. Edson
Cruz – Ação Comunitária Caranguejo-Uça/ACCU
26. Edeilton
Ribamar - Coque
27. Eliane
Romão de Andrade – Ilha do Maruim/Olinda
28. Elivânia
Maria Paiva Rocha – Poupança Comunitária (Vila Tamandaré)
29. Eloisa
Amaral L. de Medeiro – ACCU e Ciranda de Mulheres
30. Erivaldo
Antonio da Costa – Vila Tamandaré
31. Fabio
Pereira de Lima – Vila da Imbiribeira
32. Federação
dos Órgãos Assistências, Social e Educação - FASE /Recife
33. Francisca
das chagas Rodrigues – Brasilia Teimosa
34. Francineide
Patricia Alves – Ilha de Deus
35. Gabriel
Felix da Silva – Vila Tamandaré
36. Girlande
Maria – Brasília Teimosa
37. Humberto
Gonçalves – Vila Tamandaré
38. Iracema
Vieira dos Santos – Ilha do Maruim
39. Isabela
Maria Santos de Andrade – Bode/Pina
40. Iranildo
Crispim Gomes – Espaço Ciência
41. Ivanildo
Siqueira da Rocha – Ilha de Deus
42. Jardieli
Maria de Souza – Ilha de Deus
43. José
de Assis – Brasília Teimosa
44. José
Faustino - Coque
45. Jaciara
Galdino M. de Moura – Vila da Imbiribeira
46. Jailson
F. da Silva – Vila Tamandaré
47. Jonas
do Nascimento – Bode/Pina
48. Joana
Rodrigues Mousinho - MPP/ANP
49. Joana
Santos Pereira – FASE
50. José
Carlos de Sena Machado
51. José
Elizeu – Caranguejo Tabaiares
52. José
Fernando Damasceno – Vila Tamandaré
53. José
Ignácio Vega Fernandez – Laboratorio de Estudos Rurais do Nordeste –
LAE-RURAL/UFPE
54. José
Lopes Souza – Ilha de Deus
55. Jose
Jorge Marques da Silva – Ilha do Maruim
56. José
Rufino de Paula Filho – Coque
57. Juvenita
Albuquerque - Pesquisadora
58. Juliana
dos Santos Tavares - Pina
59. Laurineide
Maria V. C. de Santana – CPP/NE
60. Leandro
Luiz Lima - Ação Comunitária Caranguejo-uçá/CCU
61. Lourenço
T. do Nascimento – Espaço Ciência
62. Luciano
V. da Cruz – Vila São Miguel
63. Lucimar
Helena dos Santos – Brasília Teimosa
64. Luiz
Carlos Euclides da Silva – Ilha de Deus
65. Maria
da Paixão – Vila da Imbiribieira
66. Maria
Elania da Silva – Vila Tamandaré
67. Maria
Sueli do Nascimento – Ilha do Maruim/Olinda
68. Mario
Ramos da Silva – Bode/Pina
69. Moises
Florêncio da Silva –
70. Moises
Lucio dos Anjos – Vila São Miguel
71. Movimento
dos Pescadores e Pescadoras Artesanais do Brasil – Regional Pernambuco
72. Ornela
Fortes de Melo – CPP/NE
73. Paulo
Pessoa Lacerda – Espaço Ciência/Santo Amaro.
74. Paulo
H. da Silva Neto – Vila Tamandaré
75. Pedro
Henrique Silveira Santos – Pesquisador
76. Rodrigo
Lima Guerra de Moraes – Ação Comunitária Caranguejo-uçá/CCU
77.
Roberta Maria Fernandes – Ilha de Deus
78. Rosimere
Nery – FASE/RECIFE
79. Rudrigo
Rafael - FASE
80. Sandro
Florencio da Silva
81. Sandro
Lorenço de Santana - Bode
82. Severino
Antonio dos Santos – CPP/NE
83. Simone
Ferreira Teixeira – UPE
84. Sismara
Silva Campos – Pesquisadora
85. SOS
CORPO – Instituto Feminista para Democracia
86.
Tarcísio Quinamo – Pesquisador
87. Terezinha
Filha – ACCU/Ciranda de Mulheres
88. Valdenice
Herculano da Silva – Ilha de Deus
89. Vera
Lucia Pereira do C. de Holanda – Ilha do Maruim/Olinda
90. Veronica
Maria da Silva Gomes Alves – Ilha do Maruim/Olinda
91. Veronica
Fox – Pesquisadora
92. Yasmim
Alves – PSOL/Recife
93. Hamilton
Tenório – Ação Comunitária Caranguejo-Uça/ACCU
94. Valdelice
Herculano – Ilha de Deus
95. Wilson
Melo da Silva – Vila São Miguel
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