Nos
últimos anos, a implementação de parques de energias renováveis tem ganhado
destaque no cenário de desenvolvimento sustentável do Brasil, especialmente no
estado do Rio Grande do Norte. No entanto, esse processo tem gerado
preocupações entre as comunidades de pescadores, que veem seus territórios e
maretórios ameaçados por projetos que, muitas vezes, não consideram suas
atividades tradicionais e seus direitos.
Em
resposta a essa situação, comunidades de pescadores, apoiadas por diversas
organizações sociais, iniciaram um processo de construção de cartografias
sociais do mar que visa identificar e afirmar a importância de seus territórios
e maretórios. Essas cartografias representam uma ferramenta fundamental para a
reafirmação da relação dessas comunidades com seus espaços de vida, além de
servir como instrumento de resistência e de defesa de seus direitos.
A cartografia como
instrumento de afirmação e proteção
Ao mapear seus territórios, as comunidades
buscam nele se enxergar e perceber a importância e dependência do homem com a
natureza, bem como, o reconhecimento nos processos de planejamento espacial do
mar, como o PEM (Planejamento Espacial Marinho), demonstrando que as áreas
previstas para a implantação dos parques de energias renováveis e outros empreendimentos econômicos já
possuem atividades produtivas de baixo impacto ambiental, que garantem a
soberania e a segurança alimentar e nutricional das populações pesqueiras.
Dessa forma, as cartografias funcionam como uma forma de fortalecer a narrativa
de que esses territórios são essenciais para a manutenção de seus modos de vida
tradicionais e para a preservação de seus recursos naturais.
Pretende-se construir 13 cartografias sociais do mar no Rio
Grande do Norte, sendo que 06 já foram concluídas e validades pelas respectivas
comunidades tradicionais pesqueiras, sendo elas: Enxú Queimado, Galinhos,
Guamaré, RDS Estadual Ponta do Tubarão, Macau e Praia do Rosado, contempladas
no “Projeto Dragão do Mar: em defesa dos
territórios pesqueiros” realizado pelo Coletivo de Assessoria Cirandas,
apoio do LABOCART, UFC, parceiros CPP NE2 e CJP/Macau e apoio financeiro do
Fundo CASA Socioambiental. As outras 07 encontram-se em processo de construção.
São elas: Comunidade de Cajueiros (município de Touros), São Miguel do Gostoso,
Caiçara do Norte, Tibau, Pirangi do Norte, Pirangi do Sul e Praia de Cotovelo.
Essa construção acontece a partir dos próprios pescadores, pescadoras e
marisqueiras, respeitando a autonomia de cada comunidade. A realização é do
Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais do RN e conta com o apoio e
facilitação de diversos atores como o, o Labocart/UFC, CNPq DARQ/UFRN, o
Conselho Pastoral dos Pescadores e Pescadoras Regional Nordeste 2, Comissão de
Justiça e Paz de Macau, SAR e Fundo Casa Socioambiental.
Respeito aos princípios da Convenção 169 da OIT
As
comunidades esperam que os órgãos responsáveis pelo licenciamento desses
projetos respeitem os princípios estabelecidos na Convenção 169 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT). Essa convenção garante o direito à consulta
prévia, livre, informada e de boa-fé às populações afetadas por projetos que
possam impactar seus territórios e modos de vida.
Ao
utilizar as cartografias como ferramenta de reivindicação, as comunidades
buscam assegurar que o processo de licenciamento seja conduzido de forma
participativa, transparente e democrática. Elas defendem a ampliação da
participação social e o acesso às informações, de modo a garantir que suas
vozes sejam ouvidas e consideradas em todas as etapas do processo.
A
construção de cartografias comunitárias pelos pescadores do Rio Grande do Norte
representa uma estratégia de resistência e de afirmação de direitos frente às
ameaças impostas pelos projetos de energias renováveis. Essa iniciativa reforça
a importância de respeitar os princípios da Convenção 169 da OIT, promovendo
processos de consulta que sejam verdadeiramente participativos e que garantam a
proteção dos territórios tradicionais.
É
fundamental que os órgãos de licenciamento reconheçam e valorizem essas ações,
garantindo que o desenvolvimento sustentável seja realizado de forma justa,
respeitando os direitos das comunidades e promovendo a preservação de seus
modos de vida. Assim, será possível construir um modelo de desenvolvimento que
seja socialmente justo, ambientalmente responsável e economicamente viável.
Fotos: Valeska Sophia e Luiz Ribeiro
Texto: Severino Santos, Valeska Sophia e Luiz Ribeiro.