“Quero uma Igreja solidária,
servidora e missionária,que anuncia e saiba ouvir.
Ao lutar por dignidade,
por justiça e igualdade, pois eu vim para servir.
(cf. Mt 10, 45)
Representantes
das Pastorais do Campo do Nordeste (Conselho Indigenista Missionário – CIMI, Conselho
Pastoral dos Pescadores – CPP, Comissão Pastoral da Terra – CPT, Pastoral da Juventude
Rural - PJR, Serviço Pastoral dos Migrantes – SPM e Caritas) encontraram-se
fraternalmente nos dias 25 e 26 de maio 2015, no Recanto do Pescador, em
Olinda-PE, espaço de formação popular e articulação das lutas dos pescadores e
pescadoras, que o CPP colocou à disposição. Além do encontro de amigos(as) e
companheiros(as) ser sempre enriquecedor, o intuito principal foi aprofundarmos
o momento conjuntural de nossa realidade, cujos dias, meses e anos “fazem
pensar”. Nosso horizonte é cotidianamente
povoado pelas tribulações e esperanças dos povos indígenas e quilombolas, camponeses
com suas múltiplas facetas, comunidades tradicionais pesqueiras, homens e
mulheres da migração forçada, juventudes rurais, do meio popular e das
periferias urbanas.
Compartilhamos
nossas experiências, metodologias e desafios. Recobramos de nós mesmos vontade
firme para renovarmos nossa opção: assumir, junto com os protagonistas, ao redor
das terras, territórios e águas de nosso Nordeste, perspectivas conjuntas de
colaboração e atuação mais eficazes. Apesar de vivermos uma realidade que se
apresenta, cada vez mais, “diversa e
adversa”, fomos unânimes em assumir que uma das dimensões que configura nosso
ser e nos caracteriza chama-se: “pastoralidade”, com as ressonâncias bíblicas e históricas que esta palavra evoca.
Nosso filtro de leitura, portanto, nos apontou algumas
focalizações que, sinteticamente aqui elencamos como atitudes e opções de
“trabalho pastoral”:
·
repudiamos a
violência e expulsão de povos e
comunidades tradicionais e camponeses de suas terras e territórios. Nestes últimos anos, de forma mais acelerada,
uniram-se aos interesses vorazes do capital o Estado nos três níveis, federal, estadual e municipal. Capital e Estado,
portanto, são promotores da expropriação e violência a serviço de seus
interesses economicistas;
·
condenamos a privatização e mercantilização da natureza,
de suas dádivas básicas e comuns como a
terra, água e a biodiversidade;
·
denunciamos, com a
veemência que nos vem da ética que cultivamos e de nossa história, a forma premeditada
e perversa com que executivo, congresso e judiciário, têm violado e produzido retrocessos em direitos adquiridos, conquistados e consolidados pelas lutas dos
povos ao longo de nossa história, que tiveram uma etapa positiva na
Constituição Federal de 1988;
·
jamais aceitaremos e
deixaremos de denunciar o extermínio
das juventudes, em especial a negra e empobrecida. Este crime instalado
no Brasil inteiro é promovido com uma violência institucionalizada, que nos envergonha
como humanos;
·
Completa o nosso
grito o repúdio ao preconceito e à falta de incentivo para com as juventudes
rurais e das periferias e todas as
formas de violência contra as mulheres.
Como cristãos e cristãs, no horizonte ecumênico,
aberto e acolhedor para todas as denominações eclesiais e religiosas, no sentimos
enraizados nesta dimensão, chamada pastoralidade,
desde o Concílio Ecumênico Vaticano II, concluído em 1965. Nestes 50 anos, o
Espirito Santo de Deus aponta para que as Igrejas sejam cada vez mais, sobretudo
no nosso Nordeste do Brasil, populares, encarnadas nas experiências múltiplas
das CEBs, vivendo espiritualidades e teologias libertadoras, a própria missão
que Jesus assumiu e as primeiras comunidades assumiram (cf. Lc 4,18 e At 3,1-9).
Partilhamos assim os apelos do Espirito para:
·
Retomar o trabalho
de base e nas bases das Igrejas e da sociedade;
·
reorganizar pequenos
grupos, núcleos, comunidades, conselhos locais que sintam a força do Espirito
de Deus para agir de modo autônomo e interconectado;
·
incentivar o hábito
de rodízio periódico de cargos e tarefas ligadas aos ministérios de coordenação,
como método “revolucionário e alternativo
ao sistema” de renovação e radicalização da democracia. Estas palavras, para
nós, são sempre uma exigência explicita e inseparável do chamado à comunhão;
·
favorecer a
autogestão e auto sustentabilidade como exercício da autonomia e soberania dos
povos, comunidades e movimentos.
Sentimos, nessa busca, o sopro
do Espírito também quando nos impele a reavivar o nosso compromisso com a
radicalização da democracia. Daí a importância também de promover mobilizações
populares como forma de expressar a indignação diante do atual modelo
hegemônico de desenvolvimento: violento, concentrador e excludente. Assumimos o
compromisso de participação efetiva nos rumos do país, reconhecendo que,
historicamente, os direitos garantidos que temos só foram possíveis pela
organização e mobilização de toda sociedade.
Afirmamos a importância
das mais diversas experiências locais para que sejam adequadas ao modo de vida
dos nossos povos, à produção nos diferentes ecossistemas e biomas; a partir de
perspectivas de convivência e sustentabilidade, em vista da vida com dignidade
das atuais e futuras gerações. Sentimos como urgente aprofundar e apontar
caminhos para um novo modo de produção, um novo modo de consumo e gestão da
sociedade.
Neste quadro
convocatório, sentimo-nos encorajados para fazer memória e reafirmarmos, como enraizados
num sulco fecundo, os encaminhamentos
do Encontro Nordeste da 5ª Semana Social (4-6 de abril de 2014). Com
força crítica e aceitando a riqueza da diversidade, este momento unificou a
inspiração do Espírito de Javé e a lucidez do discernimento humano diante dos
desafios do hoje. A articulação de movimentos e pastorais populares, do campo e
urbanos, continua nos apontando uma outra perspectiva para o Nordeste, a partir
do próprio povo.
Nesta hora, tribulada e
esperançosa, sopra também, em nossas vidas, o Espirito com que os posicionamentos
de papa Francisco confirmam nossa fé e nossa ousadia evangélicas. Fé e ousadia
poderão proporcionar eficácia ao sopro unificador da vida dos povos indígenas, quilombolas, camponeses
e camponesas, ribeirinhos e ribeirinhas, pescadores e pescadoras. E através
deles a toda a humanidade e ao nosso “planeta
doente”.
Este sopro vem dar novo
vigor à rica tradição
cultural de fé, esperança e solidariedade amorosa da Terra sem Males, do Bem
Viver e do Axé que a riqueza de nossas tradições históricas e culturais
populares nos deixaram em preciosa herança e que nós assumimos ao gritarmos com
lúcida vibração: Amém, Axé, Awêre, Aleluia!
OS/AS
REPRESENTANTES DAS PASTORAIS DO CAMPO
DO
NORDESTE DO BRASIL
Olinda –
PE, 25-26 de maio de 2015
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