20 Anos da Peregrinação da
Nascente à Foz do Rio São Francisco - 1992/1993 – 2012/2013
Há
20 anos, no dia 04 de outubro de 1993, chegávamos aqui à foz do Rio do São
Francisco, depois de um ano em peregrinação pelas barrancas, ilhas, povoados e
cidades do “Velho Chico”. Buscávamos sensibilizar e mobilizar a população
ribeirinha em defesa do seu Rio, dom de Deus, cada vez mais degradado,
ameaçado, destruído. E chamar as autoridades às suas responsabilidades por esta
situação. Voltamos hoje, 15 de novembro de 2013, acompanhados de mais de 600
pessoas, representantes de 62 entidades sociais de toda a Bacia Hidrográfica, em
Romaria à Foz, a celebrar – “tornar célebre”, memorável – aquele evento e seus
efeitos para o momento atual.
Um
olhar sobre estes 20 anos nos inquieta e provoca ainda mais. É certo que muitas
ações foram desenvolvidas, houve lutas e resistências, até autoridades
agiram... Mas não foi suficiente para impedir o processo de degradação do Rio
São Francisco! Antes, o que ocorreu é que este processo se agravou. A ponto de estudos do Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica
(NCAR), no Colorado (EUA), concluírem
que ele perdeu mais de um terço de sua vazão (35%) ao longo de 56 anos,
entre 1948 e 2004, tornando-se um dos grandes rios mais degradados do mundo.
“Meu Rio de São Francisco, / nesta grande
turvação, / vim de dar um gole d’água / e pedir tua benção!” Este era o refrão do canto
principal da Peregrinação e dizia bem qual era a sua proposta: chamar a atenção
para os problemas do Rio (“grande turvação”)
e para a necessidade urgente de lutar em sua defesa (“gole d’água”) e celebrar a fé que anima esta luta e toda a vida (“pedir tua benção”). Imperiosa
necessidade de continuar entoando na prática este canto!
A
“turvação” que sofria o rio era evidente nos quatro principais problemas então
encontrados: o desmatamento (que leva ao assoreamento, ao aumento das “croas”),
as barragens, os grandes projetos de irrigação e a poluição. A partir dos
meados do século XX, o Rio São Francisco foi acumulando usos econômicos
múltiplos, cumulativos e indisciplinados, que em pouco tempo o colocaram nesta
situação terminal.
Desrespeito
maior ao rio é o malfadado projeto de Transposição de águas. Iniciado há seis
anos, já custa quase três vezes mais o valor divulgado inicialmente –
ultrapassa os 8 bilhões de reais. Além de dinheiro público para as empresas, só
conseguiu mesmo foi votos nas eleições. Já a revitalização do rio, anunciada em troca da transposição, se restringe
ao programa Água para Todos e ao esgotamento sanitário mal feito e
superfaturado. Ontem, em Floresta – PE, na “benção da adutora” do Pajeú, que
leva água a 80 mil pessoas do sertão, quisemos reafirmar e apoiar as
verdadeiras soluções para a escassez hídrica; a transposição, esta está por si
mesma condenada.
A
região da foz onde estamos é das que mais sofre. Depois de todas as barragens,
sobra água pobre de nutrientes e poluída de venenos, que não fertiliza mais as
várzeas, nem alimenta as “lagoas criadeiras”. O peixe escasseia, o mar avança.
Os pequenos produtores de arroz são pressionados para dar lugar a outros
projetos, a cana para etanol... Áreas da União ocupadas há muito tempo por
comunidades ribeirinhas são disputadas por fazendeiros. O município de Brejo
Grande – SE foi declarado recentemente pelas autoridades como território do
Quilombo Brejão dos Negros, mas aumenta a pressão violenta sobre os moradores e
os apoiadores de sua luta. Aqui mesmo, em Penedo, 26 famílias moradoras e
usuárias da Ilha do Jegue, acabam de receber a decisão judicial de que a ilha,
Patrimônio da União, “pertence” a uma fazendeira de fora...
A
Peregrinação foi uma Caminhada entre a Vida e a Morte! Mexeu tanto com o povo
como com as autoridades. Uns e outros foram levados a reconhecer a situação
alarmante de degradação do Rio. Deste reconhecimento nasce a expressão
"revitalização do rio São Francisco" para dizer de uma necessidade
imperiosa afirmada pelo povo e, a partir daí, uma pauta política relevante no
país.
Rio Vivo, Povo Vivo! Rio
Morto, Povo Morto! A mensagem desta insígnia é de que Rio e
Povo dependem um do outro. E de que “cada um é responsável pela vida do Rio e é
capaz de fazer algo pela sua recuperação”. E mais fará se estiver unido a seus
irmãos e irmãs, companheiros e companheiras.
O “gole d’água” era e é toda a iniciativa feita
pela defesa e preservação do Rio. Para simbolizá-lo, centenas de milhares de
árvores foram plantadas nas barrancas do rio durante a Peregrinação. Um gesto
de real importância para o Rio que perdeu 95% de suas matas ciliares. Além do
plantio de árvores, muitas iniciativas surgiram durante e depois da
Peregrinação, por ela motivadas, em parceria com amplos setores do poder
público e da sociedade organizada: preservação de nascentes e matas, mutirões
de limpeza da beira do Rio, educação ambiental e semanas ecológicas,
fortalecimento e criação de consórcios intermunicipais de recuperação de matas
ciliares, programas de reciclagem do lixo, criação de comitês de microbacias
etc. Em 2005, para congregar e fortalecer o esforço popular constitui-se a Articulação
Popular São Francisco Vivo.
Com
alegria, vemos que o povo sanfranciscano não assiste apático às agressões
contra seu rio, mas resiste e se mobiliza.
Como na região da foz, têm acontecido em toda a Bacia lutas de enfrentamento
dos projetos degradantes: manifestações, trabalhos de base e de educação
ambiental, atividades culturais, retomadas de territórios por povos
tradicionais (indígenas, quilombolas, pescadores, comunidades dos Cerrados e
das Caatingas), e resistências também de grupos urbanos.
É
nessa vitalidade das lutas populares que depositamos a esperança de vida para o
Velho Chico. Quando decidimos dedicar um ano de nossas vidas dialogando com as
comunidades ribeirinhas e organizações populares, respondemos a um chamado e
convidamos muitos pés para a caminhada. Esta peregrinação não é um ato heroico
de poucos, é mutirão de muitas pessoas, é uma resposta de gratidão ao Velho
Chico e um convite a mudar o rumo de uma morte anunciada. São Francisco Vivo –
Terra e Água, Rio e Povo!
Foz
do Rio São Francisco, 15 de novembro de 2013.
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