V SEMINÁRIO PESCA ARTESANAL E SUSTENTABILIDADE
SOCIOAMBIENTAL:
EDUCAÇÃO E GOVERNANÇA
EDUCAÇÃO E GOVERNANÇA
Nós pescadoras e
pescadores artesanais, estudantes, educadores
populares, pesquisadores e funcionários públicos das mais diversas áreas
estivemos reunidos na realização do V
Seminário Pesca
Artesanal e Sustentabilidade Socioambiental: educação e governança, realizado
em Recife/PE, no período de 14 a 16 de outubro de 2015. O Seminário é
foi uma iniciativa da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), com o apoio do Conselho
Pastoral dos Pescadores (CPP). O evento teve como foco principal a educação e
governança, tendo como premissas a primeira como processo emancipador e a
segunda como tomadas de decisão de forma coletiva. As discussões se deram em
torno da importância econômica, social, cultural e ambiental da pesca artesanal
e das comunidades tradicionais. Além disso, abordamos as intervenções
governamentais em relação a essa atividade, os projetos sociais e a resposta
social, juntamente com as necessidades reais dessas comunidades.
Nas discussões
empreendidas, considerou-se que a pesca artesanal trata-se de uma atividade
tradicional de grande importância para a sociedade brasileira e, mesmo não
tendo o reconhecimento devido, tem um papel considerável na história do País. A
vulnerabilidade socioambiental das comunidades pesqueiras é resultado da
expansão do capital nos territórios tradicionais da pesca artesanal, por meio
da especulação imobiliária, da construção e operação de portos, instalação de grandes
indústrias, de atividades de mineração, de agro e de hidronegócio, da implantação
de matrizes energéticas, dentre outros empreendimentos estatais ou privados.
Essa realidade tem afetado e influenciado drasticamente no reconhecimento da
identidade pesqueira tradicional, favorecendo assim uma política de negação de
direitos, como a suspensão de dez modalidades do Seguro Defeso (Instrução
Normativa Interministerial MAPA/MMA Nº192/2015) no último dia 9 de outubro, e
os Decretos Nº 8424 e Nº 8425 (março, 2015), que atingem especialmente as
mulheres, desrespeitando as Diretrizes Voluntárias da FAO e a Convenção Nº 169
da OIT, de 27 de junho de 1989, da qual o Brasil é signatário e cujo texto foi
promulgado no Brasil por meio do Decreto Nº 5.051, de 19 de abril de 2004. Além
de negar identidades e direitos, esse modelo de “desenvolvimento” imposto pelo
Estado tem como consequência, também, o aumento das doenças ocupacionais, como
as infecções por contaminação das águas e do pescado.
No âmbito
educacional, observou-se que o extinto Programa Pescando
Letras não atendeu as necessidades e anseios das comunidades
pesqueiras, e não auxiliou a população a enriquecer o senso crítico
para o enfrentamento a essas problemáticas encontradas nos territórios
pesqueiros. O Programa Brasil Alfabetizado, apresentado no seminário pelo Diretor
de Políticas de Alfabetização, Diversidade e Educação de Jovens e Adultos da
Secadi/MEC, embora dito como o Programa que incorporou diretamente ações do
Pescando Letras, não era do conhecimento da maioria dos presentes.
Diante dessa
realidade, entendeu-se que, em termos de educação dirigida à
comunidades pesqueiras, é necessário inserir referências que contribuam para o
processo de emancipação e valorização do saber popular, reconhecendo as
pescadoras e os pescadores como sujeitos da sua própria história, detentores de
conhecimentos tradicionais, com capacidade de construção de saberes e gestão do
meio em que vivem. Uma educação que possibilite a oportunidade de participar da
construção de novos conhecimentos, visando à educação como um instrumento para
o exercício da sustentabilidade, ao considerar a cultura, as características
ecológicas e as diversidades locais na construção coletiva do saber. Nesse
sentido, reivindicou-se a criação de um Programa de Educação que atenda as
demandas das comunidades pesqueiras supracitadas, tendo como referência a
Educação Contextualizada.
Associado a tudo
isso exposto, a extinção do Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) que foi
relocado no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), aumenta
as incertezas devido a sua política que, alinhada aos interesses do
agronegócio, prioriza os projetos de interesses privados, com foco no lucro,
resultando em prática de uso e manejo dos recursos naturais que degradam o meio
ambiente e descaracterizam os territórios tradicionais. Nas discussões, o
Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) foi lembrado como uma alternativa
ao MAPA, no concerne ao abrigo das ações governamentais relativas à pesca
artesanal.
Durante todo o
evento destacou-se a urgência do Governo e da sociedade reconhecerem
a importância da atividade pesqueira artesanal e dos territórios pesqueiros na
cultura, na conservação ambiental e para a segurança e soberania alimentar do
povo brasileiro.
E que sejam
revogados os decretos Nº 8424 e Nº 8425, já citados, para assegurar os direitos,
identidades, cultura e o futuro dos pescadores e pescadoras artesanais,
respeitando as Diretrizes Voluntárias da FAO e a Convenção Nº 169 da OIT, além da
retomada das Portarias que foram suspensas para garantir, dessa forma, o
período de reprodução e, assim, a conservação das espécies e, em consequência,
da atividade pesqueira artesanal.
Reiterou-se
também o dever do Estado em reconhecer os Territórios Pesqueiros artesanais que
compreendem não somente os lugares de pescaria, mas os espaços de reprodução da
vida e da cultura tradicional. Esses territórios são espaços historicamente
pertencentes a comunidades que secularmente compartilham o uso dos bens
naturais comuns de forma equilibrada, contribuindo para a proteção da
biodiversidade natural. Nessa perspectiva, é dever do Estado reconhecer as
Reservas Extrativistas (Resex) como territórios pesqueiros, garantindo o
respeito aos seus limites físicos e à autonomia dos seus Conselhos Gestores nas
decisões referentes as mesmas. Além disso, é dever urgente do Estado reconhecer
e regularizar todos os demais Territórios Pesqueiros que não se
institucionalizaram como Resex, mas que são igualmente espaços de reprodução da
vida dessas comunidades, das espécies pesqueiras e de conservação da natureza.
O Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento por meio de sua representante, informou
no final do evento que estaria se articulando com o representante da Secretaria
de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi) do
Ministério da Educação (MEC) para financiar as ações de alfabetização às
experiências apresentadas no Painel
Experiências de Educação em Comunidades Pesqueiras Artesanais, por meio do Programa Brasil Alfabetizado. E
que já estavam entrando em contato com os gestores estaduais e municipais para
concretizarem esse processo.
Como produtos do V Seminário Pesca Artesanal e Sustentabilidade Socioambiental: educação e
governança, além do presente documento, foram elaboradas
e aprovadas quatro moções, compreendendo: “Moção de Apoio à criação da RESEX
Marinha do Rio Sirinhaém”, em Pernambuco; “Moção de Apoio À Educação
Contextualizada em Comunidades Pesqueiras Artesanais”; “Moção de Repúdio à
Instrução Normativa Interministerial MAPA/MMA Nº192/2015”; e “Moção de Repúdio
à Suspensão do Parque dos Manguezais Josué de Castro”, de Recife,
Pernambuco. E o evento foi finalizado com cânticos de afirmação do Movimento
dos Pescadores e Pescadoras Artesanais.