quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Carta Final: V SEMINÁRIO PESCA ARTESANAL E SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL:


 
 
 
V SEMINÁRIO PESCA ARTESANAL E SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL:
EDUCAÇÃO E GOVERNANÇA

 

Nós pescadoras e pescadores artesanais, estudantes, educadores populares, pesquisadores e funcionários públicos das mais diversas áreas estivemos reunidos na realização do V Seminário Pesca Artesanal e Sustentabilidade Socioambiental: educação e governança, realizado em Recife/PE, no período de 14 a 16 de outubro de 2015. O Seminário é foi uma iniciativa da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), com o apoio do Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP). O evento teve como foco principal a educação e governança, tendo como premissas a primeira como processo emancipador e a segunda como tomadas de decisão de forma coletiva. As discussões se deram em torno da importância econômica, social, cultural e ambiental da pesca artesanal e das comunidades tradicionais. Além disso, abordamos as intervenções governamentais em relação a essa atividade, os projetos sociais e a resposta social, juntamente com as necessidades reais dessas comunidades.

Nas discussões empreendidas, considerou-se que a pesca artesanal trata-se de uma atividade tradicional de grande importância para a sociedade brasileira e, mesmo não tendo o reconhecimento devido, tem um papel considerável na história do País. A vulnerabilidade socioambiental das comunidades pesqueiras é resultado da expansão do capital nos territórios tradicionais da pesca artesanal, por meio da especulação imobiliária, da construção e operação de portos, instalação de grandes indústrias, de atividades de mineração, de agro e de hidronegócio, da implantação de matrizes energéticas, dentre outros empreendimentos estatais ou privados. Essa realidade tem afetado e influenciado drasticamente no reconhecimento da identidade pesqueira tradicional, favorecendo assim uma política de negação de direitos, como a suspensão de dez modalidades do Seguro Defeso (Instrução Normativa Interministerial MAPA/MMA Nº192/2015) no último dia 9 de outubro, e os Decretos Nº 8424 e Nº 8425 (março, 2015), que atingem especialmente as mulheres, desrespeitando as Diretrizes Voluntárias da FAO e a Convenção Nº 169 da OIT, de 27 de junho de 1989, da qual o Brasil é signatário e cujo texto foi promulgado no Brasil por meio do Decreto Nº 5.051, de 19 de abril de 2004. Além de negar identidades e direitos, esse modelo de “desenvolvimento” imposto pelo Estado tem como consequência, também, o aumento das doenças ocupacionais, como as infecções por contaminação das águas e do pescado.

No âmbito educacional, observou-se que o extinto Programa Pescando Letras não atendeu as necessidades e anseios das comunidades pesqueiras, e não auxiliou a população a enriquecer o senso crítico para o enfrentamento a essas problemáticas encontradas nos territórios pesqueiros. O Programa Brasil Alfabetizado, apresentado no seminário pelo Diretor de Políticas de Alfabetização, Diversidade e Educação de Jovens e Adultos da Secadi/MEC, embora dito como o Programa que incorporou diretamente ações do Pescando Letras, não era do conhecimento da maioria dos presentes. 

Diante dessa realidade, entendeu-se que, em termos de educação dirigida à comunidades pesqueiras, é necessário inserir referências que contribuam para o processo de emancipação e valorização do saber popular, reconhecendo as pescadoras e os pescadores como sujeitos da sua própria história, detentores de conhecimentos tradicionais, com capacidade de construção de saberes e gestão do meio em que vivem. Uma educação que possibilite a oportunidade de participar da construção de novos conhecimentos, visando à educação como um instrumento para o exercício da sustentabilidade, ao considerar a cultura, as características ecológicas e as diversidades locais na construção coletiva do saber. Nesse sentido, reivindicou-se a criação de um Programa de Educação que atenda as demandas das comunidades pesqueiras supracitadas, tendo como referência a Educação Contextualizada.

Associado a tudo isso exposto, a extinção do Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) que foi relocado no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), aumenta as incertezas devido a sua política que, alinhada aos interesses do agronegócio, prioriza os projetos de interesses privados, com foco no lucro, resultando em prática de uso e manejo dos recursos naturais que degradam o meio ambiente e descaracterizam os territórios tradicionais. Nas discussões, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) foi lembrado como uma alternativa ao MAPA, no concerne ao abrigo das ações governamentais relativas à pesca artesanal.

Durante todo o evento destacou-se a urgência do Governo e da sociedade reconhecerem a importância da atividade pesqueira artesanal e dos territórios pesqueiros na cultura, na conservação ambiental e para a segurança e soberania alimentar do povo brasileiro.

E que sejam revogados os decretos Nº 8424 e Nº 8425, já citados, para assegurar os direitos, identidades, cultura e o futuro dos pescadores e pescadoras artesanais, respeitando as Diretrizes Voluntárias da FAO e a Convenção Nº 169 da OIT, além da retomada das Portarias que foram suspensas para garantir, dessa forma, o período de reprodução e, assim, a conservação das espécies e, em consequência, da atividade pesqueira artesanal.

            Reiterou-se também o dever do Estado em reconhecer os Territórios Pesqueiros artesanais que compreendem não somente os lugares de pescaria, mas os espaços de reprodução da vida e da cultura tradicional. Esses territórios são espaços historicamente pertencentes a comunidades que secularmente compartilham o uso dos bens naturais comuns de forma equilibrada, contribuindo para a proteção da biodiversidade natural. Nessa perspectiva, é dever do Estado reconhecer as Reservas Extrativistas (Resex) como territórios pesqueiros, garantindo o respeito aos seus limites físicos e à autonomia dos seus Conselhos Gestores nas decisões referentes as mesmas. Além disso, é dever urgente do Estado reconhecer e regularizar todos os demais Territórios Pesqueiros que não se institucionalizaram como Resex, mas que são igualmente espaços de reprodução da vida dessas comunidades, das espécies pesqueiras e de conservação da natureza.

O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento por meio de sua representante, informou no final do evento que estaria se articulando com o representante da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi) do Ministério da Educação (MEC) para financiar as ações de alfabetização às experiências apresentadas no Painel Experiências de Educação em Comunidades Pesqueiras Artesanais,  por meio do Programa Brasil Alfabetizado. E que já estavam entrando em contato com os gestores estaduais e municipais para concretizarem esse processo.

Como produtos do V Seminário Pesca Artesanal e Sustentabilidade Socioambiental: educação e governança, além do presente documento, foram elaboradas e aprovadas quatro moções, compreendendo: “Moção de Apoio à criação da RESEX Marinha do Rio Sirinhaém”, em Pernambuco; “Moção de Apoio À Educação Contextualizada em Comunidades Pesqueiras Artesanais”; “Moção de Repúdio à Instrução Normativa Interministerial MAPA/MMA Nº192/2015”; e “Moção de Repúdio à Suspensão do Parque dos Manguezais Josué de Castro”, de Recife, Pernambuco. E o evento foi finalizado com cânticos de afirmação do Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais.